Primeira mulher negra a conquistar a faixa de Miss Brasil, há 35 anos, Deise Nunes participou do programa Gaúcha+ na tarde desta segunda-feira (13), na Rádio Gaúcha. No quadro A História da Minha Vida, a modelo e empresária contou detalhes de sua trajetória, da infância à coroação aos 18 anos.
Sobre a época de criança, Deise revelou que foi criada pela mãe e guarda boas memórias dessa fase. Ela cresceu na casa onde a mãe ajudava nos afazeres domésticos e lavava roupa para fora.
– A minha mãe sempre foi uma mulher batalhadora. A palavra desistir não existe no vocabulário dela. Pode ser a coisa mais difícil do mundo, mas ela vai dar um jeito daquilo acontecer – define Deise.
A vida de modelo
Ainda criança, a gaúcha sonhava em ser médica, mas acabou sendo fisgada pelo mundo da moda, conta:
– Aos 12 anos, assistindo um programa de televisão, e vi um desfile de moda, se não me engano era do Ney Galvão, um grande estilista que tivemos no Brasil. E aquilo me encantou, mulheres maravilhosas, com aqueles vestidos. Naquela época, carreira de modelo não era tão bem vista.
Quando estava num salão de beleza, Deise encontrou sem querer a dona de uma malharia, que perguntou se ela era modelo. Logo em seguida, a empresária a convidou para participar de um desfile de sua marca e a carreira deslanchou. Por volta dos 14 anos, desfilou na passarela de um evento no Plaza São Rafael e viu o estilista Rui Spohr na primeira fila:
– Quando eu fiz o desfile, lembro que estava muito lotado. Na plateia, estava o Rui Spohr. Me lembro que fiquei muito nervosa, as grandes modelos, as consagradas em Porto Alegre, desfilavam para Rui e Milka. Logo depois, ele me chamou para fazer o desfile dele. Eu só tinha 14 anos, e ele não deixou fazer o traje de gala por ser muito nova. Depois, fiz Milka também.
Racismo
Deise cresceu numa família de brancos e afirma nunca ter enfrentado o racismo quando nova, nem dentro de casa, nem na escola, muito menos dos vizinhos. Foi no universo da moda e dos concursos de beleza que viveu a discriminação. Em 1984, representou o Inter no Rainha das Piscinas do Rio Grande do Sul. Eram quase 80 candidatas e, como a candidata do time tinha ganhado no ano anterior, a chance de levar o bicampeonato era pequena. Depois dos desfiles, o resultado demorou a sair, o que chamou atenção das participantes.
A performance de Deise surpreendeu, e ela conquistou o primeiro lugar. A gaúcha conta que, anos depois, descobriu o motivo para a demora do resultado.
– Tinha algum jurado que não queria que eu ganhasse porque eu era negra, e imagina o que iam dizer. Acharam que iam ser apedrejados, tocar ovo, tomate, sei lá. Como assim eleger uma negra? Até que alguém disse: ou a gente dá a faixa para quem venceu de verdade ou eu vou sair daqui e falar que é tudo uma farsa. Daí resolveram dar a faixa para mim, e o assunto foi encerrado – revela Deise.
Os bastidores do Miss Brasil
A modelo conta que chegou no Miss Brasil com um empurrãozinho da mãe. Após ser vítima de racismo no Rainha das Piscinas e em mais uma seleção de modelo, ela queria desistir da carreira artística. Só que a mãe já tinha traçado o destino da filha. Segundo a madrinha de Deise, a gaúcha nasceu e sua mãe logo falou: "toma aqui a tua afilhada e a futura Miss Brasil".
– Minha mãe simplesmente me inscreveu no concurso sem eu saber. Eu estava no interior, e ela mandou eu voltar porque tinha um trabalho de modelo para eu fazer. Quando eu voltei, cheguei em casa e perguntei. E ela disse: te inscrevi no Miss Rio Grande do Sul e tu foi selecionada para participar de uma seletiva. Para resumir, como não discutia com pai e mãe, eu fui – lembra Deise.
A seleção foi realiza em São Paulo, com seletivas em programas do SBT. Deise venceu e foi representar o RS no Miss Brasil. Chegou lá com uma "armadura".
Quando a gente sofre discriminação racial, é pega tão de surpresa que não temos reação no primeiro momento
– Eu pensei: quando for para o Miss Brasil eu já vou armada. Ninguém vai me dizer as coisas e eu ficar com cara de boba. Quando a gente sofre discriminação racial, é pega tão de surpresa que não temos reação no primeiro momento – afirma a empresária.
O concurso transcorreu sem percalços, terminando com a coroação de Deise. Só que a ficha de que tinha levado o maior título de beleza do Brasil, que era a primeira mulher negra a conseguir tal feito e que ainda iria representar o país no Miss Universo só caiu alguns dias depois, diz Deise:
– Depois que ganhamos, é um turbilhão, compromissos, foto para lá, entrevista para cá. No terceiro ou quarto dia, sentei e consegui ler as reportagens de jornais e revistas. Quando eu viajava, a minha mãe sempre ia comigo. E ela sempre pedia para as pessoas mandar o que sai de mim nos jornais, tenho muito coisa guardada.