A recém-escolhida Miss Brasil 2020, Julia Gama, repetiu por três vezes a mesma frase durante a conversa com Donna, por telefone:
– Não estou deslumbrada com o título de Miss Brasil.
Firme e decidida, a porto-alegrense de 27 anos defende que não dá para se perder no glamour, já que o reconhecimento só vem com pé no chão, planejamento e dedicação. E sabe como Julia faz para não perder o foco? Ela se mantém conectada com suas raízes. De olho na preparação para o Miss Universo, a modelo e atriz escolheu o irmão, Bernardo, como seu assessor pessoal em São Paulo – a etapa mundial deve ocorrer no primeiro trimestre de 2021. Com os pais, Luciane e Silvio, fala quase diariamente por ligações ou chamadas de vídeo. E assim que fechar a equipe responsável por auxiliá-la na busca da próxima coroa, a gaúcha quer dar uma escapadinha para visitar o Rio Grande do Sul.
– Sempre que posso estou aí, estou louca para ir logo. É onde meu coração descansa, a minha casa – conta.
Passada a euforia de uma coroação histórica – no dia 20 de agosto, o nome de Julia foi revelado pela organização em uma cerimônia virtual –, a nova Miss Brasil se divide entre entrevistas e reuniões regadas a goles de chimarrão. Faz lives com o público, recebe dicas de trajes e vestidos e está disposta a ouvir o que os brasileiros têm a dizer pelas redes sociais. Ela não terminou o curso de Engenharia Química na UFRGS, mas garante que sua disciplina e sua organização vêm, em parte, da paixão pelas exatas.
– O que aprendi ali vou levar para a minha vida inteira, me deu um equilíbrio muito grande entre emocional e racional. Gosto de tudo planejado, busco sempre a excelência. Sou movida por sonho, apaixonada pela vida, mas, na hora de executar para conquistar o que eu quero, sou extremamente racional – explica Julia.
Experiente, ela já tem na bagagem o título de Miss Mundo Brasil, em 2014 – depois, foi para Londres competir no Miss World. Desde 2016, está radicada na China, onde trabalhou como modelo, embaixadora de marcas e se lançou na carreira de atriz. Só que seu diferencial não está restrito à trajetória: a visão da gaúcha sobre o papel de uma miss pode se tornar uma vantagem. Ela promete uma preparação completa, da oratória à passarela, para inspirar de fato outras pessoas, e não virar apenas uma "blogueirinha ou modelo":
– A Miss Universo não está lá para modelar, é para ser uma porta-voz, dar visibilidade e pautar as pessoas para muitas causas que merecem atenção.
O futuro: uma carreira no Brasil
Quando o assunto são os passos após a disputa internacional, o foco volta-se para as artes cênicas. A jovem descobriu o gosto pela atuação durante a preparação para o Miss Mundo Brasil. Como caiu de paraquedas nos concursos de beleza, entendeu que precisava de ajuda para ficar mais desinibida. E foi aí que se matriculou em cursos na Casa de Teatro de Porto Alegre e na escola Take04, focada em TV e cinema.
– Percebi o quanto eu amava atuação e comunicação. Depois, nas viagens, vi que também tinha um amor muito grande pelas relações internacionais e o que posso contribuir nisso. A Engenharia já não fazia mais sentido. Quando estou atuando, tenho certeza de que estou fazendo exatamente o que nasci para fazer – ressalta.
Ela também fez aulas de artes cênicas no Rio de Janeiro antes de se mudar para a China. Na Ásia, seguiu investindo na carreira: está no elenco de dois filmes com estreia marcada para este ano (Invisible Tattoo, de 2018, é um deles) – e Julia planeja trazer os longas para serem exibidos no Ocidente. Em 2020, o plano era se posicionar artisticamente no Brasil, e o título de miss se tornou a ponte para ganhar visibilidade em sua terra natal.
– Atuar é algo que já está consolidado na minha vida. Minha carreira de atriz é o que quero, algo em que vou investir. Tanto na parte de atuação quanto na de produção, principalmente em colaboração com outros países – conta.
Por aqui, quer fazer novelas, filmes e espera que muitas portas se abram após o Miss Universo. Como de costume, a guria sonha alto: gostaria de estrelar uma produção latina em plataforma de streaming, já que fala quatro idiomas.
– Amo a língua espanhola, me sinto muito confortável atuando. Uma série latino-americana da Netflix seria um sonho, é um dos meus objetivos – revela.
Muito além da estética
Julia é atuante em causas sociais, como o trabalho de conscientização sobre a hanseníase, mas também levanta uma importante bandeira: a da autoaceitação. Apesar de empilhar faixas de miss, ela diz que sua relação com o corpo não era saudável. Sua luta será para as mulheres entenderem que a felicidade não se resume à aparência:
– Quero incentivar as mulheres a se compararem elas com elas mesmas, a buscar sua melhor versão com muito autoamor. Foque no que é o seu melhor, pois uma pessoa feliz é uma pessoa bonita.
E mais: a gaúcha diz que sua experiência na China a tornou intolerante com o assédio, e este é um tema que deve ganhar espaço entre suas causas. Por aqui, ela entende que esse tipo de conduta ainda é normalizada na sociedade.
– Precisamos nos posicionar. Venho com um discurso muito forte de não flexibilizar, de não aceitar esse absurdos no dia a dia. É preciso que a gente fale, não podemos passar por isso quietas. Nosso papel é ensinar os outros como temos que ser tratadas. O autorrespeito é o início de tudo – destaca a Miss Brasil.
Do all star ao mundo de miss
Difícil imaginar que uma mulher cheia de si como Julia já duvidou do próprio potencial. Não se achava bonita, abria mão do autocuidado, sofreu bullying e passava longe da maquiagem. Até que uma amiga de infância insistiu que ela não via a própria beleza e tinha tudo para ganhar o concurso A Mais Bela Gaúcha. Dito e feito: Julia se inscreveu, venceu e conquistou a chance de disputar o Miss Mundo Brasil.
– O que eu fiz foi dar um empurrãozinho, ela fez muito mais. Quando a Julia chega em um lugar, as pessoas olham para ela, não tem como explicar, não tem só a ver com a beleza física. Ela é uma mulher inteligente, é extremamente esforçada – conta a amiga Giovana Salvadori, e ainda brinca: – Ela segue a mesma daquela época, só que agora sabe se maquiar (risos). As pessoas não sabem, mas a Miss Brasil é muito estabanada!
A determinação sempre foi uma marca de Julia desde a infância, relembra o irmão Bernardo. Umas das lembranças do caçula é com relação ao vestibular:
– Ela sempre mostrou que, se colocar uma coisa na cabeça, é possível conquistar. Quis entrar na UFRGS, estudava para caramba e passou. Não tinha nada que parasse ela. É uma mulher muito forte, empreendedora, que quer vencer, e não ganhar em cima dos outros. E, ainda, quer agregar e ajudar quem está em volta.
Quando vem ao Estado, Julia não abre mão de passar uma temporada com a família em algum hotel fazenda no Interior para cavalgar. Já em Porto Alegre, o programa preferido é o tradicional passeio pela Redenção, além, é claro, do pôr do sol do Guaíba. A gaúcha cresceu próximo ao Iguatemi, no bairro Passo d'Areia, estudou na escola estadual Uruguai e também na particular Pastor Dohms, mas o local que tem seu coração é o Bom Fim, onde a avó de Julia mora:
– Sempre fiquei dividida nesses dois bairros, ainda mais que estudava na UFRGS. Sou apaixonada por Porto Alegre porque as coisas são perto, tem aconchego, essa coisa de lar. Gosto de pegar uma bicicleta e ir para os lugares pedalando.