O distanciamento social de Fernanda Gentil tem sido de muitos encontros. Antes de substituir por um período Fátima Bernardes nas manhãs da TV Globo, a apresentadora lançou um novo quadro no É de Casa, aos sábados, e já é quase da família de seus mais de 6 milhões de seguidores no Instagram. Na rede social, apresenta uma série com lives e vídeos para todas as faixas etárias e diferentes públicos. Vão de sessões de terapia, passando por leituras inclusivas para os pequenos a papos apimentados nas madrugadas.
Muitas de suas causas estão presentes, como no primeiro quadro criado, o Fato x Fake, um tema que toca especialmente Fernanda. Somado ao fato de ser jornalista de formação, ela própria é vítima frequente de notícias falsas e haters.
Desde que as gravações no Se Joga foram interrompidas em função da pandemia do coronavírus, a carioca está trabalhando de casa, na companhia da mulher, a jornalista Priscila Montandon, e do filho Gabriel, de quatro anos.
Na nova rotina, esticou ainda mais os dias que já eram longos (“não preciso dormir oito horas por noite”, diz ela) e faz muito de tudo. Escreve, grava, edita, conversa com seus medos e agradece. Leve e franca, conversou com a Revista Donna sobre a importância de “perceber o seu lugar no mundo”.
– Deus me livre chegar no fim da linha e não ter a sensação de que fiz a minha parte.
Tanto os projetos do Instagram quanto o novo quadro no É de Casa têm a vontade de ajudar como DNA. Como foram criados estes trabalhos?
No É de Casa, a ideia é ajudar a ajudar, seja lá da maneira que for. A mãe a criar uma brincadeira, os netinhos a matarem a saudade dos avós... Foi tudo muito rápido, em menos de uma semana conversei com o diretor, enviei o projeto e estreamos. Escrevo, produzo, gravo em casa e mando tudo pronto. Já no Instagram é mais variado, tento fazer um muito de tudo.
A live de terapia está entre os assuntos indicados pelo perfil do próprio Instagram. Como você faz a curadoria dos temas?
Costumo esperar o início da semana, pois a cada momento estamos passando por uma coisa diferente. Já falamos dos profissionais de saúde, de quem mora sozinho e está isolado, como isso vai mexer na sociedade de uma forma geral. Toda a montanha-russa das emoções.
As pessoas estão solitárias e ansiosas, e acho que o quadro veio dessa necessidade. Conheço a Eda (Eda Fagundes, psicóloga) há anos. São 50 minutos e as perguntas são muitas. Eu já recomendava terapia em tempos normais, agora é quase uma obrigação.
Como é a troca das pessoas nesta live de terapia?
É livre e aberta, e o público está mais confiante, fala abertamente o que está sentindo. O que me impactou mais foi a questão da ansiedade: as pessoas estão sem o controle de nada e com medo de ser uma ameaça ambulante. O que prova como é necessário o que estamos fazendo neste formato de trabalho.
E em que momento as suas aflições aparecem nas conversas e você acaba fazendo a terapia junto?
Aparecem o tempo todo. Eu abro falando do meu dia, como estou naquela fase, exatamente para quebrar o gelo e mostrar que é um lugar seguro para todo mundo, que eles podem confiar. Na última, pedi desculpa, de tanto que falei de mim. Faço terapia total no quadro, como se fosse uma seguidora minha. Até me perco um pouco porque o papo
é tão bom e uso muito a meu favor.
Sobre o quadro de acessibilidade. Antes do trabalho nas redes, esse era um tema que já fazia parte do seu foco de alguma forma?
O quadro Leitura Acessível é o meu preferido, pois envolve criança, leitura, livro e uma bandeira que eu quero levantar, que é a da acessibilidade. É tradução em libras, sonoplastia e locução. Sempre falo que, para algumas crianças, vai chegar pelos olhos, para outras, pelos ouvidos, mas, para todas, pelo coração. Escolho as histórias com muito cuidado, pois as crianças estão em um momento delicado. Além de tudo isso, tem o retorno que recebo. Não é o que tem mais mensagens, mas as que chegam são vídeos de crianças e relatos das mães dizendo que muitas delas estavam com dificuldade de concentração e, com as histórias, acalmaram. Se não for isso que faz valer a passagem pela vida, não sei mais o que é.
Como surgiu o Fato x Fake?
O Fato x Fake foi o estreante, pois senti a necessidade de informações verdadeiras diante de uma coisa nova. Tenho essa batalha contra as fake news por ser vítima várias vezes, e isso mexe comigo. Então, fiz um vídeo dizendo para contarem comigo e como admiro os jornalistas que estão até hoje 24 horas sem parar. Falo com especialistas, apresento as fontes das minhas pesquisas ou os sites dos dados oficiais. Toma muito do meu tempo desde o início, e o meu lado jornalista fica muito feliz. Informação certa, oficial e verdadeira salva vidas, sim.
Você tem de fãs a haters. O quanto essa luta contra
as fake news entra na rotina?
Eu respondi esses dias uma seguidora no Twitter. Chegou um momento da quarentena em que o meu nome começou a aparecer, um bafafá de que eu trocaria de emissora. Ela perguntou de uma maneira muito educada, queria saber com as minhas palavras. Fiz uma longa resposta. Disse que, para mim, é uma pena que muitas pessoas sigam acreditando que manchete ruim dá mais clique. Também respondi que as manchetes são muito mais atraentes do que o que está realmente acontecendo. Claro que é muito bom ver “botar fogo no parquinho”, para usar uma expressão atual. Na época da Copa do Mundo, quando fui cumprimentar um convidado cego, que obviamente me deixou no vácuo, criei uma casca. Se eu não tivesse feito isso, não teria conseguido entrar no estúdio no dia seguinte. Mas, ao mesmo tempo que essa casca ajuda a não tirar o meu sono, entro no automático demais. Me comprometi que, sempre que achar necessário, vou usar minhas redes ou veículos que tenho carinho para usar as minhas palavras. Não vendo mais a minha paz.
Como é o público da madrugada? Mais carente? Mais apimentado?
O público da madrugada é zueiro. A maioria é para realmente resenhar, porque é no mesmo dia da terapia. Falamos coisa séria às 15h, e na madrugada a gente fala sobre um monte de coisa. Tem pergunta leve e umas para maiores de 18 anos.
Você é uma pessoa noturna ou se transformou nesse período?
Eu sempre fui de acordar cedo e dormir tarde, de aproveitar as 24 horas do dia o máximo que posso. Tenho muita energia, quero acordar cedo para malhar, mas, com a quarentena, tenho me liberado para dormir até mais tarde. Para as pesquisas do quadro de terapia eu uso a madrugada, quando a casa está em silêncio. Na edição do quadro do É de Casa também viro uma noite. A quarentena esticou um pouco os meus dias.
Como é pautado o Confinamento em Casal? Quais as rotinas que vocês percebem que as pessoas mais querem ver de vocês?
As pessoas gostam de ver os casais, eu sempre soube. Com o confinamento em casal não seria diferente, e é quase sempre uma surpresa para a Priscila. Estamos no meio de uma atividade, eu grito “livre”, e ela sabe que eu já estou gravando. O que mais instiga é o assunto do dia, que é enviado pelos seguidores. O da louça suja rendeu muito: se um que lava, se parcela, se lava na madruga. A gente provoca quase uma DR. A Priscila tem dias e dias, porque deve ser um saco ser surpreendida (risos). Mas, mesmo que não esteja a fim, ela sabe que tem que parar.
Como está hoje a sua rotina com o distanciamento social?
A rotina agora está bem mais, digamos, natural. Já entrou em uma engrenagem que está rodando direitinho, mas o início foi caótico. Criança sem creche, eu e a Priscila trabalhando em casa, as questões psicológicas. Mas depois a gente entendeu que era importante ter uma rotina dentro da nova rotina. Não são férias, não pode ser tudo relaxado e liberado. Tem home office, almoço, jantar. Claro, dá para ver uma TV a mais, um desenho a mais, um joguinho extra. Mas já entendemos o que funciona e o que não funciona. Tenho até vergonha de reclamar, sei que sou privilegiada. Se o seu maior sintoma for tédio, é porque você tem muita gente para ajudar. E fazemos isso sempre com participação do Gabriel, para ele ver e entender bem o lugar dele e o que pode fazer pelos outros.
Com dois meninos em casa, como fica essa administração de rotina?
O Lucas está com o pai dele. Não estou mais morrendo de saudade, eu já morri mesmo. Com o Gabriel, estava me cobrando ficar com ele o tempo todo, tipo “já que eu estou aqui, vamos aproveitar”. Um pouco de culpa com cobrança. Mas depois tive que aprender a trabalhar em casa, ele também começou a ter atividades da creche. Tem dia que está bem e faz, se não está bem, não faz. Enquanto eu quis enfiar à força a vida normal nessa nova rotina, bati cabeça, e isso passa por todas as tarefas de casa. Não tem como exigir comida fresca todo dia. É um congelado, um macarrão instantâneo, um lanche no jantar.
É vida nova para todo mundo, tem que escolher do que vamos abrir mão e o que vamos remanejar.
Seu afilhado Lucas, que você tem como filho mais velho, está em uma idade de entender tudo o que está acontecendo. Como é conversar sobre toda essa transformação?
O Lucas tem 12 anos, explicar isso para ele não é fácil, é enriquecedor. Quase um retorno de que a gente fez as coisas certas até aqui: eu, meu tio que é o pai dele, a família toda. Ele entende tudo mesmo, mas é sempre uma caixinha de surpresa, não se sabe o nível de alcance. Foi muito gostoso, porque ele não só entendeu, mas viu o lugar dele, a sorte que tem por estar protegido. Já com o Gabriel, as crianças têm o poder de se adaptar, o desafio não é esse. É explicar que não é uma coisa pequena, como vai ser ir para a escola com máscara, o que é o adesivo no chão da farmácia.
Ainda incomoda todos os passos do seu relacionamento com a Priscila serem muito noticiados?
Se for com carinho e verdade, pode repercutir. Se tiver cuidado com o que eu falo ou publicar uma foto de um passeio, sem problema. Sei que minha vida pessoal causa representatividade. E representatividade salva vidas. Tive prova através de pessoas que achavam que estavam no final da linha até verem meu namoro e como minha família aceitou.
Vocês têm uma rotina tranquila e uma vida nada polêmica. Sente-se cobrada a se posicionar mais?
Se posicionar contra o preconceito é quase um pleonasmo. Deveria existir só um lado. Eu e Priscila concordamos muito sobre isso, a gente nunca foi a uma parada gay, por exemplo, porque não é um programa que faça o nosso perfil. Por outro lado, assumir uma relação gay, sendo mulher, no mundo esportivo, na maior emissora da América Latina, é um posicionamento, pois jamais cogitaria viver isso escondido. É a vida natural. Sabia que tinha que passar por essa onda, mas a gente sabe nadar. Acho muito cruel apontar o dedo, jamais apontaria dedo para alguém se posicionar, mas já vi gente fazendo. Não gosto muito de comprar brigas, abraço causas. Se a gente não usar essa visibilidade para falar coisas importantes, a gente não entendeu nada. Trabalhamos tanto, e quando conseguimos uma vitrine, que não é para sempre, não usamos para ajudar ao próximo? Deus me livre chegar no fim da linha e não ter essa sensação de que fiz a minha parte.
Como é ser uma pessoa pública em um momento como esse? Quais causas você compra e como consegue fugir do radicalismo?
Que bom passar essa imagem. Sempre tento levantar as bandeiras e as causas que acho importante e escolhi lutar contra a homofobia da maneira que me distancie de quem é homofóbico. Não só pelos conceitos, mas pela forma como essa pessoa luta. Quero ser diferente do homofóbico não só pelas ideias, mas também pelo comportamento, geralmente agressivo. Não quero ter nada a ver com essas pessoas.