Aos 17 anos, Kéfera Buchmann postou um vídeo no YouTube revelando sua aversão às vuvuzelas. Naquela época, meados de 2010, youtuber não era fenômeno e muito menos profissão, mas o vídeo da curitibana sobre o sucesso da corneta barulhenta na Copa do Mundo da África do Sul bombou nas redes sociais. Assim nasceu o canal Cinco Minutos, responsável por colocar Kéfera na lista dos jovens mais influentes do país na internet. Quase uma década depois, os números são impressionantes: 11 milhões de inscritos no YouTube, mais de 800 milhões de visualizações e 12 milhões de seguidores no Instagram.
Só que a guria nunca escondeu que queria mais: seus vídeos caseiros deveriam servir de trampolim para a carreira artística. E ela conseguiu. Está no ar na Globo interpretando uma divertida vilã na novela Espelho da Vida e lançou seu quarto filme no final de janeiro, Eu Sou Mais Eu. A rotina está tão puxada que Kéfera atendeu à Revista Donna por telefone enquanto se caracterizava para gravar cenas da personagem Mariane no folhetim da faixa das seis.
– Não acho brechas ou folgas na agenda (risos). Mas sei que estou vivendo o momento que estava esperando – conta a atriz que, em seguida, interrompe o papo para conversar com a gaúcha Vitória Strada, amiga e colega de elenco. – Vitória, estou falando com o pessoal da Revista Donna, lá de Porto Alegre! Manda um alô para a galera do Rio Grande do Sul.
Descontraída e espontânea, Kéfera mantém nos bastidores a mesma pegada de seus vídeos na internet. Fala rápido, não se esquiva das perguntas, brinca entre uma resposta e outra e mostra que sabe se posicionar sobre assuntos sérios. Além disso, confirma que tem sentido nas ruas o carinho de um público mais amplo e não tão jovem:
– É muito gostoso receber retornos de pessoas que eu não estava acostumada, são abordagens diferentes.
Depois de estrear no cinema com É Fada (2016), voltado para o público infantojuvenil, Kéfera participou de dois longas destinados aos mais velhos: o drama O Amor de Catarina (2016) e a comédia Gosto Se Discute (2017). Agora, retorna suas atenções aos adolescentes com a produção Eu Sou Mais Eu. Mas o enredo traz reflexões necessárias para todas as idades, opina:
– Fala sobre a questão de autoaceitação, de ser mais você, de se conectar com a verdadeira essência, de não se importar com a opinião dos outros, não negar suas origens e se preocupar com as coisas que realmente importam.
Kéfera amadureceu em frente às câmeras e passou por seus altos e baixos. Encarou o bullying na escola, o ciberbullying dos haters, enfrentou as inseguranças com a aparência, rendeu-se à transição capilar e até cogitou dar uma pausa no canal. Hoje, ela acredita que encontrou seu caminho:
– Passei por um processo para entender meu lugar no mundo, qual era a minha missão com o YouTube, sobre influenciar as pessoas para o que é importante. Recebo muitas mensagens de meninos e meninas dizendo que se inspiraram em mim, muita gente falando da transição, por exemplo.
Abaixo, Kéfera fala sobre os desafios de conversar com novos públicos, o peso da responsabilidade de influenciar milhões na internet, a pressão dos padrões estéticos e seus novos planos – ela também é escritora e lançará um livro sobre feminismo em breve.
Você conquistou fãs jovens e fiéis com seu canal no YouTube. Mas, agora, ao estrelar filmes e estrear na novela, está atingindo um público mais amplo. É um desafio diferente conversar com uma faixa mais adulta?
É muito legal estar no mercado ou fazendo feira e umas senhoras virem falar comigo: "Ah, você é a menina da novela, né?". Até então, com o canal, meu público era muito ligado às redes sociais e à internet, nem tanto pela questão da idade, mas a abordagem era diferente. Encaro os públicos da mesma forma. A minha ideia desde que comecei o canal era mesmo trabalhar como atriz, fazer minha carreira, acontecer na profissão. Hoje, é gostoso receber o feedback de vários públicos, de todas as idades. É uma responsabilidade estar na novela, na TV aberta, fazendo um trabalho que atinge um número grande de pessoas. Não é mais somente quem está conectado, é também quem está jantando e vendo a novela, quem está chegando do trabalho, indo para a faculdade. É um público muito abrangente mesmo.
Você sempre deixou claro que, apesar do sucesso com o YouTube, seu objetivo era ser atriz. Considera o momento atual da sua carreira a virada profissional que tanto esperou?
É um momento pelo qual estava esperando, mas acredito que tem muita coisa para aprender, estudar, curso para fazer, gente para conhecer. Um dos maiores erros que podemos cometer na profissão é achar que estamos prontos, que entendemos tudo. Quando a gente acaba sendo considerado bom é justamente quando estamos buscando evoluir, quando achamos que não sabemos muita coisa. É um momento em que as pessoas estão vendo que eu não era somente uma menina da internet que foi lá fazer um filme, como foi no caso do É Fada (2016). Não era só uma menina querendo aproveitar a visibilidade da internet, mas é realmente alguém que tinha uma dedicação à carreira. Acho que a galera está começando a ver isso agora, com novelas, filmes, novos projetos. Com o amadurecimento pessoal, com os assuntos que falo nas redes. Mas chegar no auge não é algo que me preocupa ou que me importa, porque sucesso é relativo. Um dia você está em cima, outro dia você não é lembrada. É uma montanha-russa. Tem horas que você está bombando mais, tem outras hora que não está tão nos holofotes. Não é sobre sucesso, é sobre o legado que a gente deixa.
O humor está muito presente na sua trajetória, e, hoje, há uma nova geração de mulheres fortes na área, como a Tatá Werneck e a Dani Calabresa. A veia humorística sempre foi presente em você?
Sempre gostei do humor, sempre fui muito brincalhona. Mas não me considero humorista ou comediante, me intitulei atriz mesmo. Acho que é bom ter o lado cômico para os papéis cômicos, mas não quero descartar o lugar dos papéis dramáticos, que são uma vontade minha. É legal e importante esse momento que estamos vivendo, as mulheres estão acordando para a importância de nos empoderarmos e ajudarmos umas às outras, não somente no humor, mas em todas as áreas.
E como você define esse momento que as mulheres estão vivendo?
Estamos acordando. Até pessoas do meu próprio convívio e amizades que nunca esperei que fossem se atentar para isso. Conheço muita gente que vivia no automático, e não por culpa delas, mas por estarem acostumadas com o sistema. O sistema é regido por homens, eles são os protagonistas de toda a história. Tanto na política, quanto na economia, socialmente falando. Acho que agora todas as mulheres, até as que a gente menos esperava, estão despertando junto. É um movimento muito bonito que estamos vivendo.
Você costuma se posicionar em seus vídeos, inclusive sobre temas polêmicos, como política. Acredita que é um dever falar sobre esses temas em razão da sua visibilidade?
Me sentiria não cumprindo a minha missão de vida se não estivesse falando sobre tudo o que é importante e o que é relevante para que a gente viva em um país e em um mundo melhor, coletivamente falando. Ser considerada influente, mas não usar a voz para questões importantes, relacionadas à humanidade, à evolução, seria um erro da minha parte. Estou cada vez mais voltada para isso junto da minha profissão de atriz, junto da minha carreira. Há muito tempo eu usava a influência somente para publicar vídeos. Comecei muito nova. Vai fazer nove anos que tenho o canal, esse ano me dei conta disso, é muito tempo. Já passei por muita coisa, o país já passou por muita coisa, o mundo. É um amadurecimento, por muito tempo vivi esse lugar de somente fazer vídeos na internet e isso ser o meu trabalho.
Você passou pela transição capilar e fala abertamente disso em seu canal. Foi uma forma de se libertar de padrões estéticos?
A transição capilar é um processo que tem muito a ver com o filme. O que é muito engraçado, porque o filme tem uma pegada muito autobiográfica, da época que sofri bullying na escola. É uma personagem que conversa com o meu passado, precisei fazer ela para me conectar de novo comigo. Depois de 10 anos alisando meu cabelo, encontrei força de vontade de me reconhecer como alguém bonita, com o meu cabelo como ele é, sem ficar refém do formol, sabe. Sempre saio chorando do cinema quando vejo esse filme, me emociono, mexe comigo. É sobre o que eu passei e o processo me ajudou a passar por uma transformação enorme internamente. Ouço pouco das pessoas que me preferiam de cabelo antigo, acho que a galera veio junto. Isso que a minha transição foi bem tranquila, porque a questão do preconceito com o cabelo ondulado, crespo, cacheado começa pelo racismo, o racismo velado muitas vezes. O cabelo que não é liso é o cabelo ruim. E não existe isso, não existe cabelo ruim, existem tipos de cabelo. As pessoas precisam parar de associar o ruim ao cabelo. Parem, isso é doloroso. Isso tudo acontece com as mulheres negras há muito tempo, é o racismo que elas sofrem, passa pela cor da pele. Não é meu lugar de fala, posso conversar a respeito, mas sei que não é minha vivência. Estou em um lugar privilegiado de mulher branca, sei disso, independentemente de classe social. Não enfrento o racismo, mas tenho muitas amigas, acompanho influenciadoras, leio sobre o assunto. O problema com o cabelo que não é liso passa muito pela história de racismo com o cabelo afro das mulheres negras. Isso acabou resvalando em todo mundo, tanto mulher quanto homem.
Depois de nove anos de YouTube, você já enfrentou muitos comentários de haters. Acha que aprendeu a lidar com isso ao longo do tempo ou ainda se abala?
Hoje, as críticas com que tenho lidado na TV têm sido bem positivas, assim como no filme, não vi nada negativo. Meu desempenho como atriz na novela tem sido considerado bom, os feedbacks são bons. É muito gostoso de ler. Mas, claro, tem que ter pé no chão para não se perder. Tem que segurar o ego para não pensar que “chegamos lá”. O ego não pode passar por cima de quem a gente é. Sou muito consciente que preciso evoluir e amadurecer muito. Sobre os haters na internet, tem a questão do bullying. Não acontece somente na escola, segue no trabalho. Se tem o colega gordo, é chamado de gordinho, baleia, orca. Não é legal, por mais que as pessoas deem risada, inclusive quem está sendo atacado. Às vezes é autodefesa, para mostrar que não se importa, mas no fundo machuca. Você pegar uma característica física da pessoa e tentar diminuir ela ou definir, isso não é carinhoso, ela não é só isso. Acho que o bullying vai muito além da adolescência, ele segue no trabalho, no ciberbullying, que acontece o tempo inteiro. Estou há bastante tempo na internet e sei muito bem disso, falo sobre isso. No ciberbullying, a maneira de se defender é não olhar os comentários, mas eles estão lá, continuam sendo feitos. Na internet as pessoas ainda se sentem muito blindadas para fazer o que querem, serem cruéis mesmo, se sentem seguras atrás da tela.
Você passou por altos e baixos, pensou em terminar seu canal e sempre foi muito franca com os fãs. Olhando para trás, arrepende-se de algo?
Não me arrependo de nada, faria tudo de novo. O filme que saiu agora é o resultado de muitas vivências, e se tivesse algo diferente, o roteiro teria mudado. Gostei tanto do resultado final que passaria por tudo de novo, desde a escola, minha história no YouTube, os dilemas que eu tive. Com essa vida de internet veio muito a questão das pessoas acreditarem que os outros têm a vida perfeita, de comparar a vida com as fotos do outro no Instagram. Só que todo ser humano é vulnerável, tem suas questões, suas inseguranças. Tenho falado muito sobre isso, não somos perfeitos, e está tudo bem. Isso sim é a verdadeira experiência de vida, é sobre isso que a vida é. Não é só sobre você ficar contando likes e procurando a foto perfeita.
Você é atriz, youtuber, mas também escreve. Vem mais novidades por aí?
Esse ano vai sair mais um, sobre o lugar da mulher na sociedade. Saio da questão da ficção, meu último livro vai virar filme também, vamos rodar esse ano. Posso adiantar que meu quarto livro vai tratar de feminismo e assuntos próximos que são englobados pelo feminismo.
Você também já assinou linhas de produtos, como os óculos da Chilli Beans, e teve uma loja online. Como é sua relação com a moda?
Já assinei linhas de produtos, já tive loja online, hoje não tenho mais. Quero mesmo me focar na carreira de atriz. A moda é uma área que curto dentro do lugar do que é confortável vestir. Não tenho a questão da tendência, se isso é tendência quero usar. Quero usar o que me deixa confortável, independentemente do que as pessoas falam. Bonito é o que a gente se sente bem. Roupa bonita é a roupa que veste um corpo feliz.
Você é do Sul, mas mora fora de Curitiba há cinco anos. Do que sente falta?
Para Curitiba, tento ir nas folgas, mas está difícil. Morro de saudades da minha família, não moro com eles há alguns anos, desde que me mudei para São Paulo, e agora no Rio para fazer a novela. Sinto falta da minha avó, da minha mãe, dos programas que fazia em família em Curitiba. Já fui bastante para Porto Alegre também, para fazer show e divulgar os livros. Tenho um público muito fiel aí, me dá apoio há muitos anos. Sempre quando vou para aí é muito caloroso, ganho presentes, apesar de eu dizer para não gastarem com isso, só quero a presença (risos).
Você tem milhões de seguidores, está fazendo sucesso na TV aberta, vai lançar novo livro e emenda um filme atrás do outro. O que mais falta?
Meu objetivo é seguir com a carreira, atuar mais. É o amor da minha vida, é minha profissão, é o que eu quero. Quero fazer mais novelas, filmes, peças, séries. Me experimentar, fazer vários tipos de papéis. Quero olhar para trás daqui a alguns anos e pensar: "Nossa, deu certo".
Mais um filme na conta
No filme Eu Sou Mais Eu, Kéfera interpreta Camila, uma estrela da música. Arrogante, a jovem acaba voltando aos tempos de escola, quando sofria bullying dos colegas. A preparação para viver a personagem durou dois meses, conta a atriz:
– Ela volta a ser a Camila do passado com a cabeça da Camila de 30 anos. Tive a ajuda da preparadora Estrela Straus e foi bem intenso. Mas fiquei bem feliz com o resultado, porque a mensagem do filme é muito bonita. Ela não é malvada, ela é muito machucada. Ela está em um lugar de vingança, de provar para as pessoas que ela conseguiu chegar onde queria. A Camila se desespera quando se vê dentro de uma situação que foi muito traumatizante, a escola.
Primeiro papel na TV
A estreia de Kéfera na Globo veio com o convite para viver Mariane na novela Espelho da Vida, no ar na faixa das seis. Muito atrapalhada, a personagem é daquelas vilãs que fazem o público rir. A proximidade com o humor deixou o primeiro desafio da atriz na TV aberta mais leve:
– É uma personagem que me dá muita alegria, uma vilã cômica, apesar de ser vilã tem o lado engraçado. Ela é meio boba, porque as ideias dela são ruins (risos). Ela não é aquela malvada que mata todo mundo, ela é divertida.