Grávida aos 20 anos: estreando no mundo dos julgamentos. “Mas você não é muito nova?” Foto: Arquivo Pessoal Parto na casa da família Gil-Demasi em Nova York. Foto: Arquivo Pessoal Com Nino: banho no colo no chuveiro - Foto: Arquivo Pessoal Amamentando Nino enquanto escrevia o novo livro. Foto: Arquivo Pessoal Foto: Arquivo Pessoal A merenda de Flor com granola caseira, banana-da-terra, batata doce e água - Foto: Arquivo Pessoal Print da placenta, feita pela doula e depois encapsulada - Foto: Arquivo Pessoal
É bem provável que você já tenha opiniões a respeito de Bela Gil. Talvez seu primeiro contato com ela tenha sido a partir de um meme em redes sociais, de um vídeo famoso no YouTube ou do programa Bela Cozinha, sucesso de audiência do GNT. Ou talvez por meio de alguma controvérsia sobre alimentação, seja o célebre churrasco de melancia, a merenda natureba da filha mais velha, Flor, ou de como consumiu, em um shake, a placenta após o parto do bebê Nino.
Pois Bela Gil já está acostumada ao burburinho que vem de arrasto a muitas de suas ações – e afirma não se incomodar com as críticas. E isso antes mesmo de ser uma pessoa pública. Quando engravidou pela primeira vez, tinha 20 anos e estreou no universo dos julgamentos destinados às mães. “Mas você é tão nova”, diziam à jovem, que então morava em Nova York.
De 2014 para cá, de volta ao Brasil, quando a nutricionista e chef de cozinha virou também apresentadora de TV, seus hábitos foram parar na vitrine. E a curiosidade sobre seu estilo de vida só aumentou após a segunda gravidez. Ao vivo ou pela internet, era abordada por pessoas que lhe perguntavam: você não come carne na gestação? Como será o parto? Dar o peito de três em três horas ou livre demanda?
Assim, é para as mães que dedica seu mais recente livro, Bela Maternidade – Meu Jeito Simples e Natural de Ser Mãe (Editora Sextante), lançado em março. No volume de 256 páginas, Bela questiona a existência de modismos na criação dos filhos, defende uma maternidade livre de rótulos e diz que não quer converter ninguém.
– Meu propósito não é defender as escolhas que fiz ou pregar um jeito “certo” de ser mãe. Só quero compartilhar. As coisas que faço não são manuais de instruções. Não aponto o dedo para ninguém, estou apenas passando a minha experiência. E também para quem não segue ou não admira meu estilo de vida poder conhecer e falar: não é isso que quero – conta Bela, em entrevista por telefone.
Com 30 anos completados em janeiro, a mãe de Flor, nove anos, e de Nino, que completa dois agora em maio, desconhecia os termos “da moda” no universo materno até sentar em frente ao computador para escrever sobre eles. Da mesma forma que recusa as nomenclaturas “fit” ou “low carb” para suas receitas naturais, revela que, por intuição, já praticava “cama compartilhada” (quando bebê dorme com os pais) ou BLW (“baby-led weaning”, que substitui papinhas por alimentos consumido com as mãos), sem saber das expressões.
– A gente tenta rotular tudo hoje em dia. São muitas escolhas e também discursos, palpites e possibilidades. Vale tentar se reconectar consigo mesma, ouvir mais a nossa intuição. Estou segura das escolhas que fiz, pois fazem sentido para mim. Por isso, lido com tranquilidade quando recebo opiniões radicalmente opostas às minhas.
A seguir, Bela compartilha com Donna suas experiências como mãe de duas crianças, sua visão da alimentação como ferramenta política e sobre os retornos positivos e negativos que recebe diariamente no contato com o público no Instagram de 1,2 milhão de seguidores.
A “HORA CERTA” DE SER MÃE
Quando engravidou de Flor aos 20 anos, “sem querer querendo” – já que havia parado de tomar pílula para começar a tentar –, a chef de cozinha conta que muitas pessoas questionavam sua idade, pois estava prestes a entrar na faculdade. Flor nasceu, e Bela conciliou a maternidade com os estudos em Nutrição e Ciências dos Alimentos na Hunter College, em NY. A partir de então, passou a defender o pensamento de que “a hora certa” é aquela que a mulher decide e ponto:
– Nossa sociedade diz que precisamos fazer faculdade, achar o homem ou a mulher da nossa vida, montar uma casa digna de capa de revista, chegar ao topo da carreira, guardar rios de dinheiro e só depois pensar em ter filhos. De acordo com esse discurso, a hora certa não vai chegar para quase ninguém.
Com este mesmo pensamento encomendou Nino bem quando a carreira estava no auge, aos 28 anos, com mais livros lançados, muitas viagens de trabalho e as gravações do Bela Cozinha a mil. E, assim que rolar, um terceiro filho também virá para completar a família Gil-Demasi.
– Desde pequena, sonho em ter três filhos. Gosto dessa combinação, a criança ter dois irmãos, como tive Bem e José (filhos do casamento de Gilberto Gil com Flora; Preta Gil e Maria são irmãs apenas por parte de pai). Amo estar grávida. Por mim, cuidaria de um bebê por ano – brinca.
MAS NEM TUDO SÃO FLORES
Lendo até aqui, pode parecer que a maternidade foi uma experiência perfeita. No entanto, Bela também registra episódios que foram tortuosos ao longo do caminho. O primeiro foi o parto hospitalar de Flor: mesmo elogiando a equipe médica e a maneira como tudo ocorreu, Bela passou por uma episiotomia (corte no períneo para ampliar o canal de parto). No entanto, o procedimento arruinou sua vida sexual por um ano. Agora, Bela se dedica a compartilhar tudo o que pesquisou sobre violência obstétrica nos últimos anos.
– Tudo é uma questão de informação. Eu não estava muito consciente dos protocolos e alternativas naquela época. A mulher tem que saber quais práticas podem ser feitas ou não, o que ela quer ou não, quais os procedimentos para ajudar mãe e bebê. Há muitos médicos que fazem como rotina, eu defendo que é importante você se informar previamente sobre tudo o que envolve o parto.
Outro desafio foi a amamentação: a imagem idílica da mulher nutrindo o bebê não se sustentou após a primeira semana. O peito inchou, o leite começou a vazar, e Bela sentia muita dor. E aí muitas técnicas caseiras foram testadas: tomar sol nos seios, desinchar as mamas com folhas de repolho, casca de mamão e outras dicas aprendidas com um grupo de apoio. Com o segundo filho, a cena se repetiu.
– Os primeiros dias depois que o leite desceu foram muito sofridos. Cada abocanhada que Nino dava no meu peito para mamar era uma lágrima que escorria pelo meu rosto. Os bicos rachados causavam muita dor. Novamente foi difícil, mas eu sabia que uma hora a dor iria passar – conta Bela.
AFINAL, NUNCA COME DOCE?
Sabe aquela história de que a criança é enjoada para comer ou não gosta disso ou daquilo? Bela defende que é desde a barriga da mãe que o filho começa a ser bem nutrido. E que as lembranças da infância do que era servido à mesa vão ser levadas para o resto da vida. Ela própria começou a se interessar por comida saudável pelo fato de o pai, Gilberto Gil, ser adepto da alimentação macrobiótica.
Quando conheceu João Pedro Demasi, o marido, ele comia até fast-food. Depois, quando Flor nasceu, o casal já era vegetariano quando Flor nasceu. No livro, Bela conta em detalhes quando sentiu vontade, em certo momento, de comer carne durante a gestação. E, para desmistificar o que pensam do cardápio de Flor, revela que a filha come de tudo fora de casa – vai até em churrascaria com os avós.
– As pessoas têm uma visão muito mais rígida da alimentação da minha filha do que realmente é. Lá em casa, não entra leite condensado. Se a Flor quer algo doce, faço um biscoito, um bolo, algo dentro da minha ideologia alimentar. Mas, se ela vai para uma festinha, come brigadeiro, sim, come o bolo, experimenta. O que a gente precisa é ensinar às crianças o que é comida de verdade, que traz benefícios. Besteiras são ocasionais e não precisam estar no dia a dia.
COMIDA QUE VAI ALÉM DO PRATO
Uma das perguntas que Bela mais ouve das mães é como transformar o paladar da família. E a resposta não é fácil. A apresentadora responde que é preciso haver uma motivação além da saúde. Afinal, não é da noite para o dia que alguém larga o refrigerante ou mesmo a carne. Para a chef, gastronomia não é só receita. O alimento, para ser saudável, deve ter sido cultivado de maneira limpa, sem prejudicar o meio ambiente. Sua bandeira é a “comida sem veneno”, sem matéria-prima transgênica, substâncias químicas ou agrotóxicos.
– Acredito que o mundo pode ser transformado para melhor por meio da alimentação. Você tem que saber por que deseja mudar a sua. Precisa ter outro estímulo além do sensorial. O bebê nasce com paladar neutro, mas uma criança que foi criada só com besteira não vai trocar, de um dia para o outro, o chocolate pelo brócolis. Ela precisa ser acostumada pelos pais primeiro com o brócolis, pois não entenderá os reais motivos para estar consumindo aquilo.
Bela recorda o episódio mais conhecido sobre este assunto, quando a lancheira com batata-doce e banana-da-terra que Flor levou à escola virou pauta na internet, há três anos. Por ser muito diferente dos lanches industrializados que se vê em escolas, os comentários diziam que Flor sofreria até “bullying” dos colegas.
– A maioria das reações foi mesmo de espanto – contabiliza Bela. – Isso porque a cultura alimentar infantil da nossa sociedade é relacionada a comer tudo processado. Muitos acham que criança feliz é aquela que come açúcar. As que são privadas são chamadas de “coitadas”. Enquanto isso não mudar, vamos continuar vendo reações assim.
AMOR E ÓDIO NAS REDES
Algo surpreendente ocorre nos perfis oficiais de Bela Gil. Você encontra poucas críticas no YouTube: lá, um público fiel a segue e troca ideias, desabafa, respeita e contribui para o debate sem agressões.
– Quem vai para meu canal já entende melhor meu posicionamento, meu estilo de vida. São pessoas que buscam alternativas ao sistema no qual a gente vive, que agradecem porque acham que o que eu compartilho é relevante para a vida delas também.
Já os comentários negativos, que chegam por outros canais, são lidos e encarados como parte necessária do processo.
– Sou bem resolvida com isso. Muitas pessoas têm reação negativa pelas coisas que eu falo. Isso vem da ignorância sobre o assunto em pauta, é um comportamento do ser humano mesmo. Existe um preconceito derivado da falta de conhecimento. As pessoas gostam de prejulgar antes de experimentar, entender ou ler sobre o assunto. Vejo as críticas por este lado, não me incomodam. Minha parte está sendo feita para que pessoas assim também possam mudar de opinião – explica.
A prova de que Bela realmente sabe lidar com o tribunal da internet é a forma como vê os memes inspirados nela (e olha que são muitos!). Ela gosta principalmente dos que usam a fórmula “você pode substituir tal coisa por tal coisa”.
– Tem vários que eu amo, acho interessante e replico, outros são mais bobinhos. O mais legal é que os memes ajudam a popularizar um assunto que talvez não fosse falado de outra forma. Por exemplo, tabus como parto e menstruação, coisas do universo feminino atingem muitas mulheres através de um meme. Muitas pessoas me marcam no Instagram. Algumas me conheceram como “a moça que faz o churrasco de melancia”. Os memes da cúrcuma também, acho que são eternos. Isso abre uma porta para outro universo.
APÓS O PARTO, A PLACENTA
Mais de meio milhão de pessoas assistiram ao nascimento do Nino: o vídeo está disponível no YouTube com quase três minutos editados, com legendas explicativas de cada momento. Junto a uma parteira e uma doula, no apartamento da família em Nova York, Nino nasceu na água, dentro de uma piscina de plástico, com JP participando e Flor presente, até cortando o cordão umbilical do irmão.
– Quero ajudar e inspirar as pessoas. Não vejo como exposição. Claro que é um momento muito íntimo, mas acho importante mostrar para outras mulheres que é possível, que não é inacessível um parto domiciliar. Sei que muitos acham algo perigoso e até acusam a mãe de egoísmo. “Você é maluca de ter o filho em casa? Só pensa em você, não pensa no bebê”, dizem. Sempre existe este tipo de julgamento – afirma.
A sequência do nascimento do bebê também deu o que falar. Bela revelou que havia aderido à placentofagia, prática sem comprovação científica, mas que promete repor nutrientes perdidos durante a gestação e combater até a depressão pós-parto. No livro, conta que a vitamina foi preparada pela doula com banana, frutas e pasta de amendoim. Depois, a placenta é tratada para ser encapsulada e tomada nos meses seguintes.
– É para quebrar um tabu – afirma. – É uma opção gostosa, saudável e possível. Quando um assunto é falado mais vezes, acaba virando comum. Não acho que, no futuro, vá ser tão raro que as mulheres comam a placenta. Talvez vire uma prática, quem sabe? Assim como as pessoas hoje conhecem mais inhame e linhaça do que conheciam há cinco anos.
Bela Gil reúne no livro “Bela Maternidade” receitas de comida natural e entrevistas com profissionais de obstetrícia, pediatria, puericultura, psicologia e outras áreas. Em cada etapa da criação dos bebês, ela experimentou hábitos diferentes.
A HORA DA HIGIENE
• Fraldas descartáveis passam longe, mas o tipo de fralda mudou ao longo dos anos. Flor usou as biodegradáveis com forro de tecido, e Nino usa as de pano (inclusive, Bela licenciou uma coleção sustentável via Morada da Floresta)
A HORA DE COMER
• Papinha para Flor até um ano de idade, e Nino com alimentos sólidos a partir dos oito meses
A HORA DE DORMIR
• Flor dormiu em seu berço desde o primeiro dia de vida. Nino dormia na cama dos pais.
A HORA DO BANHO
• Flor na banheira, Nino no chuveiro, no colo, desde bebê.
A HORA DE PASSEAR
• Flor andava no carrinho, e Nino carregado no sling.
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