Rossana Silva, especial
Para passar o tempo e descontrair os colegas de trabalho no burocrático ambiente do setor de marketing de um banco, Antonio Tabet gastava um bom tempo criando montagens e piadas no início dos anos 2000. Foi pela necessidade de burlar a equipe de informática da empresa que suas sacadas, famosas no e-mail interno do banco, passaram a ser publicadas em um site. Ao cair na rede, as piadas do Kibe Loco (nome com o qual o descendente de libaneses havia assinado uma coluna no jornal da escola) não tardaram a viralizar, transformando Tabet em um dos nomes mais influentes da internet e do humor brasileiro.
Em 2012, o publicitário fez parte de uma nova transformação no humor ao criar o Porta dos Fundos com os amigos Gregório Duvivier, Fábio Porchat e João Vicente de Castro. O nome entrou não apenas nos créditos como roteirista, mas também como ator em episódios como Sobre a mesa, que tem mais de 20 milhões de visualizações.
A exemplo dos companheiros de Porta, Tabet é multitarefa. Apresentou o Show do Kibe, no Canal TBS, e deve retomar a coluna escrita para o jornal O Globo nas eleições. No Flamengo, o posto de vice-presidente de Comunicação o transformou de pedra em vidraça: se uma das especialidades do Kibe Loco era pregar pegadinhas na imprensa, no clube carioca diz presenciar o outro lado da moeda ao acompanhar notícias imprecisas sobre o rubro-negro. Em uma segunda-feira, dia de reunião com a diretoria do clube, Tabet conversou com Dom enquanto caminhava pela Lagoa Rodrigo de Freitas,
no Rio, a caminho da academia onde queimou parte dos 30 quilos perdidos nos últimos meses.
O machismo é tema recorrente de esquetes do Porta dos Fundos. Isso se dá naturalmente ou há vontade de se posicionar sobre o assunto?
As duas coisas acabam se alinhando. Existe uma convergência no pensamento e, por isso, também na
produção. Naturalmente, não somos machistas e, por isso, acabamos fazendo um tipo de humor que satiriza e desconstrói o opressor. Entendemos que a sociedade é machista e que a figura da mulher é oprimida há muito tempo. Gostamos de fazer esse tipo de humor sobre o assunto para tirar as
pessoas da zona de conforto delas, que é, sim, o machismo. É muito difícil não ser machista, pois este comportamento está tão enraizado na sociedade que às vezes acabamos sendo sem perceber. É
uma batalha diária para desconstruí-lo e fazer com que homens e mulheres vivam em igualdade.
Qual é a reação dos homens em relação a esses vídeos?
Normalmente é positiva. Isso serve para os homens caírem na real e perceberem que, no dia a dia, eles acabam sendo machistas sem perceber. A inversão de papéis é comum no humor, a pessoa faz o exercício de se colocar no lugar do outro. E quando isso acontece, nem que seja para rir, tem uma conscientização como consequência. O humor presta esse serviço. O desserviço para o feminismo é outro: ocorre quando existe algum caráter revanchista nas reivindicações, quando protestos ou manifestações têm no fundo um caráter político que desvirtua o problema. Homens e mulheres são iguais, não existe motivo para um ser melhor ou ter liberdades que o outro não tem. Se esse ponto é pacífico, o que é a base do movimento? É o bom senso: igualdade entre homens e mulheres, sem revanchismo e sem política.
(Foto: Thay Rabello, Divulgação)
Mas não parece machista um homem dizer como deve ser o movimento feminista?
Não acho, pois minha crítica não é em relação ao movimento feminista, mas à política inserida dentro de qualquer movimento. O feminismo luta pelos direitos iguais e acredita que a
mulher é oprimida. É muito positivo que homens tomem essa postura. Já vi feministas mais radicais reclamando de homens que fazem campanha contra o machismo ou a favor do feminismo,
que isso tiraria o espaço delas. Isso é de uma idiotice atroz. Você só vai poder defender um movimento de crianças ou de animais se você for um bebê ou um animal? Se você tem uma
causa, vai querer que qualquer pessoa apoie, especialmente se estiver do lado opressor. Vou achar até mais válido. Meu problema é em relação à política inserida em qualquer movimento. Isso é ruim porque tira o foco.
Como você vê o momento atual da política brasileira e como são pensados os vídeos sobre isso no Porta?
O Porta é um grupo heterogêneo. Em relação à política, cada um de nós tem sua percepção. Gregório é um cara que tem mais simpatia pela esquerda, e eu não tenho nenhuma simpatia pela esquerda do Brasil, apesar de me considerar um cara de esquerda. E o momento é de turbulência pura. Sou
da opinião de que o humor tem de ser sempre oposição quando se fala de governo. Todos os nossos vídeos são vídeos de oposição. Acontece que o fator político, com todo mundo à flor da pele,
acabou transformando o Porta em um grupo de esquerda, que nós nunca fomos. Nós somos de esquerda no sentido de que somos a favor do casamento gay e da legalização do aborto e temos posições liberais em relação às drogas. Você simplesmente apontar o dedo para alguém e fazer uma crítica porque a pessoa é de direita ou de esquerda, no Brasil, onde esses caras um dia estão brigando e no outro fazendo coligação, é muito infantil.
Qual o desafio de fazer humor em um país dividido como o Brasil?
É engraçado que, há algum tempo, as pessoas criticavam os artistas, falavam que os famosos andavam cercados por um grupo de puxa-sacos, um séquito de baba-ovos que aplaudiam tudo o que eles faziam. Hoje, essa característica se expandiu para toda a sociedade. Com as redes sociais, nós
nos acostumamos a ouvir e a consumir pessoas que pensam exatamente como a gente. O cara que é de direita abre as redes sociais e só tem posts de direita, ele só segue pessoas do mesmo interesse. O cara de esquerda, a mesma coisa. Vivemos cercados de pessoas nos aplaudindo. Isso é muito doentio,
pois qualquer coisa que fuja disso vira anormal, vira inimigo. Nosso maior desafio é fugir dessa unanimidade burra, seja de um lado ou de outro, e enfrentar a realidade do país.
Como é a tolerância ao humor com temas polêmicos? A cobrança do politicamente correto aumentou?
Costumo dizer que o Brasil é o país onde política é futebol, futebol é religião e religião é política. Na política, as pessoas se tratam como se fosse um Gre-Nal. A direita e a esquerda é o Gre-Nal brasileiro hoje em dia. E as pessoas tratam o futebol, que é entretenimento, como uma coisa sagrada. E o problema da religião é que virou política. Para mim, que sou carioca, isso é emblemático. Acabamos de eleger um pastor da Universal para prefeito do Rio. Precisamos entender que religião é crença, você acredita no que você quiser. No Porta, não fazemos piada em cima da crença, e sim, da
contradição. Fazemos piada sobre o pastor, o opressor, o cara que engana o povo em cima da crença dele.
Os integrantes do Porta mantêm projetos paralelos, e você também atua em várias frentes. Qual dá mais prazer?
Gosto de tudo, mas acho que o que eu faço melhor é escrever. Atuar também é divertido, principalmente fazendo as coisas que escrevo, que os amigos escrevem, é prazeroso, a gente se diverte enquanto trabalha, e isso não tem preço. No Flamengo, tenho aprendido bastante. Tem sido interessante entender essa realidade pouco cartesiana do futebol.
No Kibe Loco, você pregava pegadinhas na mídia. E agora, como é estar do outro lado?
No Kibe Loco tinha muita pegadinha assim. No Porta, fiz um roteiro chamado Jornalista, que é sobre isso. A gente vê muitos veículos hoje apurando notícias em cima de tuítes, de fotos no Instagram,
de rede social. O Porta é uma pedra na janela dos outros. Mas, no Flamengo, virei janela agora, pois produzo conteúdo para jornalistas. O que sai no jornal é 20% do que as pessoas imaginam que acontece numa instituição desse tamanho. E dos 20% que a mídia cobre, normalmente metade das
notícias não correspondem à verdade.
Você emagreceu bastante nos últimos meses. Foi por saúde ou estresse?
Estou indo para a academia nesse exato momento. Faço dieta e malho seis vezes por semana. Corro a Lagoa (Rodrigo de Freitas), pedalo e estou treinando MMA e jogando futebol. Se eu não emagrecesse, tinha de matar alguém. Perdi 30 quilos e agora ganhei cinco, mas de massa magra. Isso em três, quatro meses. Tenho 1m82cm e agora estou com 90 quilos.
Veja a seleção de Kibe com o melhor — e o pior — do Porta dos Fundos
PONTO DE VISTA - Um homem é assediado por mulheres desde o café da manhã
"Adoro vários vídeos, mas esse adorei ter escrito. Para mim, modéstia à parte, é o melhor vídeo do Porta. Fiquei triste por não ter atuado. É diferente de todos os vídeos que a gente fez."
OS MAIS POLÊMICOS
Sobre a mesa - Mulher fala ao marido o que deseja após ele reclamar da sobremesa
"As feministas amam, porque é a mulher falando com o cara que ela quer transar. Coloca na mulher o desejo sexual, pois a sociedade muitas vezes reprime que ela fale. Foi muito polêmico na época."
Oh Meu Deus - Mulher fala ao marido o que deseja após ele reclamar da sobremesa
Pastores disseram que atacamos a crença deles. Não atacamos a crença de ninguém, mas sim a
pessoa que vê a imagem de Jesus na pelagem de um cachorro ou numa torrada. Isso é bem ridículo.
O MAIS VISTO
Rola - Atendente de lanchonete oferece opção inusitada a cliente
É um vídeo que é mais surreal do que machista ou feminista, e é o mais visto de todos os tempos. Depois dele tem o Na lata, sobre a latinha da Coca-Cola, e o Sobre a mesa.
A maior bola fora
LINHA DA VIDA - Homem procura uma intermediária para estabelecer contato com a mulher
"Esse vídeo é muito ruim. É ruim, ruim, ruim. Ele é péssimo, não tem graça. Eu adoraria
que não tivéssemos feito."
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