Foto: Daryan Dornelles Entrevista! Angélica fala sobre a carreira na TV e o desejo de aumentar a família: “Somos superabertos a adotar” Entrevista! Marcelo Tas fala sobre os tabus masculinos e a relação com o filho transgênero Luc Débora e o ator Fernando Eiras contracenam juntos em "Os Realistas" (Foto: Leo Aversa) Daryan Dornelles/Divulgação Reprodução, Instagram
Na TV, uma mãe que busca superar a dor pelo assassinato da filha. No palco, uma mulher frágil, que envelheceu sem ter amadurecido. Na vida real, uma atriz de 53 anos ciente de que o tempo conta a seu favor para construir personagens complexas, que nos fazem pensar. Eis Débora Bloch.
– O trabalho do ator é o que ele viveu, o que ele pensa, o cidadão que ele é, o que ele leu, o que viu do mundo – contou em entrevista por telefone, desde o Rio.
Uma das protagonistas da impactante série Justiça, Débora vem a Porto Alegre entre os dias 23 e 25 com a peça Os realistas, atração do festival Porto Alegre Em Cena, no Theatro São Pedro. Ela estava procurando um texto para voltar ao teatro quando deparou com esse espetáculo de Will Eno em Nova York, onde mora sua filha, Júlia, 22 anos, que cursa Cinema. Na trama, dois casais vizinhos, absolutamente comuns, defrontam-se com o ordinário e o extraordinário da vida. Débora divide a cena com Mariana Lima, Fernando Eiras e Guilherme Weber, que assina a montagem.
– A gente brinca que é uma comédia existencialista. Traz humor, mas é uma peça cheia de reflexão sobre a nossa trajetória na vida – adianta a atriz.
Na entrevista a seguir, Débora, que também é mãe de Hugo, 18 anos, fala de teatro, Justiça (o seriado e também o conceito do que é justo), passagem do tempo, filhos e seu mais novo hobby – tricô e crochê.
A PEÇA OS REALISTAS LEVA AO PALCO PESSOAS COMUNS, CONTRASTANDO COM O TEMPO EM QUE VIVEMOS: AO MENOS NAS REDES SOCIAIS, COMPARTILHAMOS MUITO MAIS UMA IMAGEM IDEALIZADA DE NÓS MESMOS.
A peça se chama Os realistas, mas, na verdade, este autor não trabalha normalmente com uma linguagem muito realista, traz uma herança do teatro do absurdo, de (Samuel) Beckett. Mas, nesse texto, faz um exercício de realismo, de personagens reais e comuns. São dois casais, pessoas muito comuns, com profissões muito comuns, sem nada de extraordinário, diante do extraordinário, que é a natureza, do lugar onde vivem, uma cidade pequena com montanhas, e do fato de um dos personagens se confrontar com uma doença, e como os personagens vão lidar com isso. E sobre dois casamentos, dois tipos diferentes de casamento e, ao mesmo tempo, parecidos. Esses dois casais que vão virar vizinhos e vão passar a conviver e seus casamentos, e as crises dos casamentos e as relações deles com a doença vão se revelando. O próprio autor diz no programa da peça que é um espetáculo sobre compartilhar nossas fraquezas, nossos medos, em um tempo em que estamos compartilhando pouco, um tempo em que as pessoas têm muitas certezas, e o teatro é um dos poucos lugares onde a gente pode compartilhar as nossas fragilidades.
COMO VOCÊ DESCREVE AS PERSONAGENS FEMININAS DA PEÇA?
São duas personagens muito diferentes. A personagem da Mariana é uma mulher forte, que cuida do marido doente, assume o papel de cuidadora. A outra, a minha, é uma mulher mais imatura, mais frágil, mais dependente do marido. Ela envelheceu, mas não amadureceu, fica no lugar de filha.
AS MULHERES TÊM COMPARTILHADO MAIS SUAS INSATISFAÇÕES E SUAS DEMANDAS. COMO VOCÊ VÊ ESSE MOMENTO FEMININO?
Acho um movimento importantíssimo. A geração da minha filha vai fazer muitas transformações. Sou de uma geração que cresceu já usufruindo de muitas conquistas do feminismo dos anos 1970 – mas não foi o suficiente. Ainda vivemos em uma sociedade bastante machista, onde as leis foram feitas majoritariamente por homens, ainda temos pouca representatividade, sobretudo no Brasil, as mulheres ainda ganham menos, os estupradores não são punidos, o aborto ainda não é legalizado. Temos muitas conquistas ainda a serem feitas. E acho que essa geração está vindo para transformar isso. E não só conquistas femininas, mas também de inclusão dos negros, inclusão social. Temos ainda muito chão pela frente.
QUAL DESSES TEMAS MOBILIZAM MAIS VOCÊ?
Não tenho nenhuma bandeira a levantar. Acho que tudo é importante... É importante que a gente eleja mais mulheres. Não só mais mulheres, mas que a gente escolha melhor os candidatos em quem vai votar. Se tem uma bandeira, é esta. Precisamos de pessoas que realmente nos representem e não aquela palhaçada que a gente assistiu no Congresso.
VOCÊ ESTÁ NO AR COM A SÉRIE JUSTIÇA, QUE FICA NOS PROVOCANDO A PENSAR SOBRE O QUE É JUSTO, SOBRE CONCEITOS ÉTICOS E LEGAIS. QUE REFLEXÕES TEM PROVOCADO EM VOCÊ?
Essa série me colocou muitas questões, e o mais interessante dela é isso: confronta a lei e o que é justo. Ou seja, a Justiça nem sempre faz o que é justo, mas a gente precisa dela. A Justiça veio para acabar com a vingança, mas e quando a Justiça não funciona? Então coloca questões morais e éticas, faz pensar sobre o que é certo e o que é errado. E é importante isso hoje: vivemos um momento de muita intolerância, de muita fragilidade de nossas questões éticas. Minha personagem me trouxe muitas questões: como lidar, conviver com um assassino? Quando eu li o roteiro, foi uma questão com a qual me debati muito: como essa mulher vai conviver com o assassino da filha? Aí a Manuela Dias (autora da minissérie) mandou pelo Facebook o link de um depoimento de um americano que foi condenado à prisão perpétua por ter matado uma mulher e a filha e que que se sentiu perdoado pela mãe e a avó das vítimas. Para mim foi chocante e, ao mesmo tempo, incompreensível esse perdão. Mas, enfim, me colocou todas essas questões. Para fazer essa personagem, eu tive de visitar lugares bastante difíceis...
É UM MERGULHO ARTÍSTICO MARAVILHOSO, MAS QUE DEVE TRAZER UMA GRANDE CARGA EMOCIONAL.
Sim, completamente. Ficamos duas semanas direto mergulhados em estúdio, gravando todas as cenas. Acordava, ia para lá, ficava até as nove da noite, ia para casa, jantava e dormia. Acordava e ia de novo... uma espécie de Big Brother (risos), uma espécie de confinamento, um mergulho artístico muito interessante, como você falou, mas, ao mesmo tempo, ao final do dia, parecia que eu tinha levado uma surra. Não foi exatamente leve, você tem que visitar um sofrimento, uma dor muito profunda. Sou mãe, é um sentimento que compreendo bem. Mas só sabe mesmo quem passou por essa experiência, e eu tinha que inventá-la para mim.
VOCÊ CHEGOU A DIZER QUE NÃO PODERIA DAR VIDA A ELISA HÁ 20 ANOS.
O que eu quis dizer com isso é que tem personagens que exigem vivência, maturidade, treino. Talvez eu tivesse feito há 20 anos uma mãe que perde um filho, mas acho que hoje fiz melhor (risos). Hoje, tenho uma carga de vivência que é o meu material para essa personagem. O ator tem o tempo a favor dele nesse sentido: o trabalho do ator é o que ele viveu, o que ele pensa, o cidadão que ele é, o que ele leu, o que viu do mundo. Tudo isso é o que te forma como ator.
É BACANA PENSAR NO QUANTO O TEMPO TAMBÉM ESTÁ A NOSSO FAVOR EM UMA SOCIEDADE QUE INSISTE NO CULTO À JUVENTUDE.
Só com o tempo a gente pode ter essa experiência e essa vivência. Por outro lado, nos é cobrada, sobretudo às mulheres, a eterna juventude, que é uma chatice, é cruel. E tem essa questão da câmera que ama a juventude: a linguagem do cinema e da TV tem essa ligação. Mas, ao mesmo tempo, anteontem fui ver Aquarius, o filme do Kleber (Mendonça Filho) com a Sônia Braga, e achei tão bonito ver uma mulher de 60 anos representada daquela maneira no cinema – bonita, potente, sem estar dependendo de um homem. Uma mulher forte e potente aos 60 anos e com uma vida. E linda, né? A Sônia Braga está maravilhosa. E não vi muitas matérias falando sobre isso: porque o filme não é só sobre memória, o prédio que vai ser destruído, destruir o antigo para construir o novo. O filme é também – e me tocou muito – sobre essa nova mulher que está potente e ativa aos 60 anos e tem uma vida alegre.
COMO VOCÊ ENCARA ESSA COBRANÇA DA ETERNA JUVENTUDE?
Não dou a mínima para isso. Acho que conquistei coisas tão legais com o tempo... Enquanto estiver com saúde e trabalhando, podendo fazer o meu trabalho, está ótimo (risos). Acho que você fica incomodado com isso, quando não aceita, fica buscando uma juventude que já não é. Não estou atrás de juventude, busco outras coisas.
COMO É A SUA RELAÇÃO COM SEUS FILHOS?
Muito forte, muito próxima, apesar de agora estarem os dois morando nos EUA (Hugo estuda Game Design). Mas temos uma relação muito legal, converso com eles sobre tudo, sinto que eles sabem que podem contar comigo, vêm muito a mim contar as coisas. E tenho muito prazer em estar com eles.
A SEMELHANÇA COM SUA FILHA IMPRESSIONA. O QUANTO VOCÊ TAMBÉM SE VÊ NELA?
Acho que ela é muito parecida comigo, mas ela é muito parecida com o pai também. As pessoas veem menos as semelhanças físicas com ele, mas eu identifico bem os traços que são bem do pai dela. Mas acho ela muito parecida comigo no jeito: tem muito humor, um olhar muito crítico, é muito focada. Agora, ela escreveu, produziu e dirigiu o curta dela, que tem de apresentar no último ano de faculdade.
TALVEZ ELA SE EXPERIMENTE TAMBÉM COMO ATRIZ?
Ela já teve várias propostas e nunca quis. Acho que gosta muito de escrever e dirigir, mas não sei, pode ser que alguma hora...
LI QUE VOCÊ TEM UM NOVO HOBBY, O TRICÔ.
Agora, ensinei a minha filha, e ela está melhor do que eu. Faço crochê e tricô. Fiz uma manta de tricô, que dei para uma amiga de aniversário, algumas bolsas de crochê, que dei para amigos também. Na verdade, foi a Mariana Lima que chegou um dia no camarim e começou a fazer tricô. E eu, quando era garota, fazia biquíni de crochê e vendia na praia. Falei: “Nossa, Mariana, que boa ideia, vou voltar a fazer crochê e tricô!”. Foi ótimo durante a gravação da série, o tricô e o crochê são meio uma meditação, você esvazia a cabeça e, ao mesmo tempo, está focado.
E VEM COM AS AGULHAS PARA PORTO ALEGRE?
Ah, devo levar, sim! (risos)