Adrielle e Maria Guimarães. Foto: Felipe Carneiro/Agência RBS Da esquerda para a direita: as filhas Gabriela, Mônica e Carolina com a mãe Silvia. Foto: Felipe Carneiro/Agência RBS Claudete Wanderck e a filha Claudia, de Blumenau. Foto: Artur Moser/Agência RBS
No mundo corporativo algumas regras são essenciais para a sobrevivência diária. A intimidade exagerada, tão comentada entre os profissionais latinos, por exemplo, pode se tornar um impedimento para o crescimento profissional. E quando esta relação vai além das paredes do escritório ou do balcão da loja?
Empresas familiares não são novidade. Afinal, quase sempre o sonho dos patriarcas é ver as crias seguindo um caminho dentro de suas cercanias. Mesmo que a felicidade e a realização venham em primeiro lugar. Se for na empresa da mamãe, melhor ainda.
Até a literatura já meteu o dedo no assunto com livros que ensinam como pais e filhos devem agir para que os negócios sigam saudáveis. Recorrente no comércio, mães e filhas costumam dividir as cobranças e os objetivos de um empreendimento familiar. Precisam, além do tino para o faturamento, driblar as dores e as delícias de uma relação tão próxima. Uma rusga nascida de um contratempo doméstico não pode ser levada adiante. É preciso diálogo o tempo todo.
Para entender um pouco mais deste delicado tema, fomos atrás de mães e filhas que investem o tempo em lojas de roupas, construtora, escolas de idiomas e academia. Às vezes em dupla, ora em um quarteto, elas revelam como convivem com as planilhas, os números e o amor incondicional.
Força do DNA
Trabalho, trabalho e trabalho. Não há outra definição tão fortemente estabelecida dentro da família de Tida Zanatta que não esteja relacionada ao ato de produzir, estabelecer metas e cumprir objetivos. Filha número 4 entre os 16 herdeiros do clã Dudalina, ela cresceu cuidando da casa, dos irmãos e da camisaria criada pela mãe Adelina e o pai Duda na pacata Luís Alves. Os integrantes desta extensa árvore genealógica são reconhecidos pelo espírito empreendedor.
A criatividade e a curiosidade já eram características da pequena Maria Aparecida - o carinhoso apelido, Tida, foi criado por um dos irmãos, que mal conseguia pronunciar o nome composto da irmã. Adulta, fez faculdade de Biologia em Blumenau, casou e veio morar em Florianópolis. Trabalhava na área da saúde quando começou a vender, ainda na sala de um pequeno apartamento em Coqueiros, as camisas produzidas pela família. Logo, o boca a boca transformou o endereço em uma loja informal, referência entre o público masculino local.
– Na época, as mulheres brincavam que o canhoto do cheque dos maridos só poderia ter dois nomes: o meu ou o delas – relembra Tida.
Marcelle, a primogênita, tem estes tempos em sua memória mais remota. Quando, junto com a irmã, brincava debaixo da mesa enquanto a negociação ocorria acompanhada de um cafezinho ou uma taça de vinho do avô.
– Este atendimento, digamos, mais carinhoso vem daí – explica Marcelle.
O carinho a que ela se refere é hoje oferecido aos clientes das duas lojas multimarcas que levam o nome da mãe, além das três unidades da Dudalina instaladas na Capital. A saída do apartamento no Continente para uma casa no Centro demorou alguns anos. Já era 1994 e Florianópolis estava prestes a ganhar o primeiro shopping center. Amiga de um dos donos do empreendimento, Tida foi convidada para abrir um espaço, que não tinha mais do que 50 metros quadrados. Contratou uma agência para escolher uma identidade para a loja, mas seu nome já havia se estabelecido na cidade. Na abertura, os filhos arremessavam do mezanino pétalas de rosa aos convidados.
Assim como a mãe, Marcelle também foi experimentar um curso na faculdade diferente da área que atua. Fez um ano e meio de Direito, mas sonhava com as disciplinas de Administração. Quando se formou, levou para casa além do canudo o título de melhor aluna.
– Eu nunca tive dúvidas de que eles seriam um sucesso. E não é um sentimento de arrogância. Sempre confiei no caminho que escolheriam - comenta Tida que, além de Marcelle, também é mãe de Tami e Thiago, ambos em outras carreiras. A filha do primeiro casamento do ex-marido também faz parte do clã. Mesmo depois da separação, o ex segue na empresa.
Oficialmente, mãe e filha estão há 13 anos convivendo diariamente, sem contar os finais de ano quando juntas montavam embalagens de presente para o Natal. No dia a dia, não separam o parentesco. Curiosamente, também nunca dividiram o closet que, ao contrário do que se possa imaginar, não é um desbunde. As peças atemporais de Gloria Coelho, por exemplo, figuram entre as prediletas da dupla.
– Não tenho como não chamar de mãe, não consigo desvincular. Nossa relação é tão bonitinha que as pessoas respeitam - relata a filha, que hoje mesmo casada mantém o hábito de almoçar com a matriarca.
Os debates mais acalorados são encarados de frente e não chegam a atrapalhar. Antes dominante, os assuntos profissionais foram banidos dos encontros com outros Zanatta.
Tida enche Marcelle de elogios tanto na vida pessoal quanto na profissional. Confessa que atualmente é ela quem pede opiniões sobre negócios. E há um laço ainda maior se aproximando. Marcelle está grávida do primeiro filho. Juntas, têm estudado neurociência para encarar esta nova fase. Tida quer, inclusive, deixar a correria diária para se dedicar ao neto. Sendo assim, em breve mais uma criança vai circular entre as araras e os pacotes de presente das lojas da família.
Cumplicidade
Há dois anos Maria e Adrielle Guimarães viveram uma das experiências mais devastadoras para uma família: a perda do patriarca. Mãe e filha encararam um grande desafio, além da saudade. Juntas, assumiram as rédeas da construtora fundada há mais de duas décadas. Maria administra a empresa e o financeiro, mas sempre esteve ao lado do marido, desde muito tempo. Formada em Arquitetura, Adrielle nunca teve dúvidas de que esta seria sua área de atuação. Até pensou em cirurgia plástica, mas deixou-se guiar pelo instinto. Desde pequena dava sinais de que a área a fascinava.
– Ela sempre soube o que queria. Quando era pequena, por exemplo, e eu ia decorar algum espaço, ela já sabia qual era o papel de parede que queria – revela Maria, também mãe de um menino.
A empresa que a dupla comanda em Florianópolis é especializada na construção de espaços comerciais. Estão habituadas a lidar com pedreiros, marceneiros e pintores.
– Fiquei responsável por muitos projetos. Não tive escapatória a não ser encarar mais este desafio. E ainda tive que conquistar a confiança de clientes e colaboradores, acostumados com o meu pai – comenta Adrielle, também focada em decoração de interiores.
Morando juntas na casa que foi projetada pela primogênita em Jurerê Internacional, elas não hesitam em logo pela manhã começar a debater assuntos profissionais. Para agilizar, criaram uma única conta de email. Assim, tudo o que precisa ser decidido ou qualquer outra movimentação passa obrigatoriamente pelas duas. Maria fica no escritório enquanto Adrielle circula pelas obras.
– Este processo ajuda bastante. É uma vantagem termos esta intimidade, o que faz render mais o nosso trabalho – finaliza a filha.
Legado familiar
Em determinados momentos, elas falam ao mesmo tempo. Levemente se atropelam durante as declarações, se olham, se entendem. Há muita história registrada pelos belos e profundos olhos azuis da mãe Silvia Niederle de Abreu e das três filhas, Gabriela, Mônica e Carolina. Juntas, ao lado pai, comandam em Florianópolis uma rede de escolas de idiomas da franquia Yázigi.
Antes de aportar na Ilha de Santa Catarina, Silvia havia passado pelo Rio Grande do Sul logo depois de chegar da Alemanha pós-guerra vinda de sua natal Munique. Casamento feito, Gabriela veio primeiro. Foi criada praticamente dentro da primeira escola, cravada na região da Avenida Rio Branco, no Centro.
– Sempre foi natural este ir e vir delas por aqui – comenta a matriarca, relembrando que uma delas, Carolina, quase nasceu em uma sala de aula. No expediente de três turnos, a família inteira – menos o único filho, que mora em São Paulo – dedica-se há 35 anos ao ensino de línguas.
Como um clichê nestas empresas, há uma mistura do íntimo e do privado. Quando pequenas, as crianças corriam pelos corredores. Já adolescentes, atendiam telefones, ficavam na recepção e preenchiam fichas. Gabriela nunca titubeou em relação ao legado familiar. Administradora, virou diretora-geral.
A fonoaudióloga e mestre em linguística Mônica até tentou seguir um outro caminho. Abriu um consultório, mas está de volta às escolas como diretora pedagógica. O mesmo ocorreu com a caçula Carolina, que da faculdade de Educação Física encontra-se agora nos bancos da Administração de Empresas e dá expediente como diretora-financeira.
Mas nem tudo são flores. O mundo corporativo exige regulamentações que vão além da mesa do café do manhã. Há dois anos o quarteto faz um processo de coaching para alinhar as estratégias, estabelecer os espaços e dar andamento aos negócios. A intimidade não pode atrapalhar o faturamento.
Parceria saudável
O Dia das Mães de 1977 foi marcante para a empresária Claudete Wanderck, de Blumenau. Naquele 8 de maio, aos 21 anos, ela dava à luz a primogênita, Claudia. Os anos passaram e mais duas meninas vieram, mas a mãe ainda lembra da data com carinho especial. Hoje, aos 58 anos, Claudete divide com a filha muito mais que os almoços de domingo. Há 14 anos elas trabalham lado a lado, à frente da rede Long Life, no bairro Itoupava Norte. Os negócios da família começaram em 1987, quando a mãe abriu a primeira unidade da empresa voltada à saúde. Atualmente são três academias e duas clínicas - uma de fisioterapia e outra de ginástica laboral.
– Sempre gostei de atividade física e já estava inserida neste ambiente por causa da minha mãe. Então decidi estudar fisioterapia para agregar alguma coisa a este universo – conta Claudia, que hoje tem 36 anos e passa cerca de 15 horas diárias se dedicando ao trabalho.
Mãe e filha são superunidas. Além de compartilhar conquistas e aflições da vida profissional, Claudete e Claudia arranjam tempo para os momentos de lazer. Entre viagens, passeios e jantares, se policiam para não falar de trabalho. E alertam: é preciso saber separar as coisas.
– Desacordos pessoais não podem influenciar a rotina. Da porta para dentro somos sócias. Nos tratamos como mãe e filha, sim, mas procuramos ser profissionais e estabelecer regras no ambiente de trabalho – esclarece Claudete.
E será que as duas ainda aprendem juntas, depois de tantos anos? Elas garantem que sim.
– Desde cedo eu aprendi com ela a ter noções empresariais e vontade de trabalhar. Minha mãe é minha referência. Tem negócio próprio, se vira, é uma mulher independente. Somos de gerações diferentes e os conflitos aparecem, mas a gente contorna e no final dá tudo certo – comenta Claudia.