Nem só de grandes obras de Oscar Niemeyer vive a arquitetura. Na atualidade, uma das funções mais importantes da profissão talvez seja entrar na casa das pessoas e reconstruir os ambientes pensando em conforto, segurança e melhoria em qualidade de vida. É nisso que acredita a paulistana de 29 anos Stephanie Ribeiro, arquiteta, palestrante, feminista negra e uma voz ativa para dizer que o design de interiores e os arquitetos têm um papel importante a desempenhar na construção de uma sociedade mais igualitária.
Stephanie passou a ser um rosto mais conhecido dos brasileiros quando tornou-se apresentadora do Decora, no GNT, em 2020. Entrou como substituta do arquiteto Maurício Arruda e tomou a frente do programa de reformas, gravado em São Paulo. Ela revela que o grande barato da nova carreira na TV é conseguir inspirar tanto pessoas de maior poder aquisitivo como indivíduos mais simples a arregaçar as mangas e repaginar suas casas. Na segunda-feira (14), durante uma participação no programa Timeline da Rádio Gaúcha, disse que quando está na rua, não são raras as ocasiões em que fãs do programa a abordam para contar como estão aplicando, a seu modo, as dicas que viram no programa.
— Gosto muito de estar na TV porque ela acaba atingindo muitos públicos diferentes. A gente precisa pensar sobre como a arquitetura é vista como algo elitizado e em como é importante desmistificar isso, falando para públicos diferentes sobre como a decoração e o viver bem são direitos de todo mundo. Ter uma casa confortável não é um luxo, é um direito. Acho que o programa tem essa função social e é por isso que fico tão feliz em fazê-lo — disse à rádio.
Porto Alegre está no roteiro da arquiteta nesta semana: sexta-feira (18) ela comanda um bate-papo sobre “A versatilidade na atuação do arquiteto do século XXI”. A palestra integra a Trienal de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, evento gratuito que ocorre no Theatro São Pedro até sábado (19), com entrada franca. Antes, você confere aqui a entrevista para Donna sobre o Decora e as novas demandas da arquitetura no pós-pandemia:
Desde que você se tornou apresentadora do Decora, como tem sido a recepção do público? E de que tipo de reforma a audiência gosta mais?
O retorno é significativo e positivo. No começo foi mais complicado, o antigo apresentador era uma pessoa muito querida e cheguei já ocupando esse espaço e trazendo um estilo de decoração diferente. Mas hoje vejo um retorno muito carinhoso e representativo. Para mim, ainda é muito diferente quando me param nas ruas, mas acho sempre tão bom porque consigo perceber, para além das redes, o impacto do Decora e como é ele um programa plural e que atinge diferentes públicos. E sem dúvida, as reformas em cozinhas chamam muita atenção, acho que esse é mesmo o coração da casa de muitos brasileiros. Além disso, as salas possuem muita aderência.
O público pede dicas nas suas redes sociais/ nas redes do Decora? Como você responde a essa demanda?
Sim, é bem comum. Entendo que muitas dicas já são dadas no programa, mas existe ainda uma dificuldade para muitos em acessar profissionais de arquitetura. Muitas vezes, indico profissionais com valores acessíveis, pois os pedidos são para obras mais significativas do que simples dicas de cores. Acho importante valorizarmos o trabalho de tantos profissionais competentes que existem e também facilitar o acesso do público aos profissionais de arquitetura. Têm coisas que podem soar simples num primeiro momento, mas que para serem bem executadas precisam de profissionais, então tento fazer essa ponte nos pedidos online.
Você se tornou apresentadora do Decora em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. De lá para cá, que mudanças tem percebido no público? As pessoas estão com prioridades diferentes no que tange ao que desejam alterar em suas casas?
Foi muito significativo começar bem nesse período, pois acho que foi o momento em que mais pessoas sentiram a ausência da arquitetura nas suas vidas e em que as casas se tornaram protagonistas do debate sobre qualidade de vida. Viver bem é um direito e não um luxo, a pandemia deixou isso bem claro, e as pessoas então passaram a querer melhorar seus espaços. Estávamos tão focados em discutir direitos básicos que começamos a tratar como um privilégio poder ter um ambiente confortável. Muita gente, então, começou a colocar a mão na massa e a tentar agir por si, para mudar isso em seu ambiente. O programa assumiu inclusive a faceta do Decore-se e isso se deu por conta da pandemia, por existir um público carente de dicas que pudesse executar por si só.
Neste ano, junto com Claudia Raia na apresentação da temporada mais recente do programa, vocês têm reformado cômodos nas casas das pessoas com base nos cenários de novelas de que elas gostam. Qual foi um episódio que marcou ou trouxe uma visão nova? Por quê?
Acho que todos dessa temporada me marcaram muito, sou apaixonada por novelas e cenários de televisão. Esse foi inclusive um dos motivos de ter escolhido fazer arquitetura. Gosto de vários episódios, mas acho que a cozinha que fizemos inspirada em Terra Nostra é um dos meus preferidos, porque traz o desafio de se inspirar numa novela dos anos 2000 e repaginar um cômodo que tende a ser o mais complicado. Acho que chegamos num resultado lindo e surpreendente considerando duas semanas de trabalho.
E se você decidisse mudar um cômodo da sua própria casa seguindo essa mesma proposta, seria pensando em que novela? Por quê?
Minha casa é bem intensa e cheia de cores, lembro muito da novela Por Amor, do apartamento da Helena dos anos 1990 com plantas e terracota, e do próprio estúdio de design dela numa casa de vila. Se eu pudesse, sem dúvidas seria uma novela do Manoel Carlos, que é meu preferido, e provavelmente essa.
O programa é gravado em São Paulo mas visto no Brasil inteiro. Você nota que as demandas dos espectadores são diferentes em cada lugar em termos de estilo, funcionalidade?
O que noto mais é um pedido para que fôssemos um programa do Brasil todo, e eu mesma adoraria esse desafio. Porém compreendo as necessidades. Acho que temos muitas diferenças conforme o clima, a região e a classe social, mas, de modo geral, o que vejo é que o brasileiro é muito apegado à sua casa e gostaria demais que ela fosse mais acolhedora. Acho que recebemos tantas inscrições de salas e cozinhas pois esses são ambientes que acolhem a família toda. No fim, o brasileiro como um todo gosta muito disso.
A arquitetura e a decoração de interiores podem agregar em termos de bem-estar e qualidade de vida?
Súper! Não existe espaço confortável sem pensarmos arquitetura e decoração e é um erro resumir o nosso fazer à compra de móveis caros. Estamos falando de acessibilidade, espaços que refletem a subjetividade de cada um, ambientes planejados para as necessidades de quem vive e de quem usa os espaços. Arquitetura e decoração possuem uma função social e psicológica, não podemos deixar que o arquiteto se abstenha de entender seu papel na sociedade e que o decorador se contente em ser apenas um intermediário entre a loja e o cliente. Nós criamos espaços para pessoas viverem e esses espaços influenciam na forma como elas interagem com o mundo e impactam no seu bem-estar. Nós temos uma responsabilidade.
Que tendências estarão em alta para a decoração de ambientes em 2023?
Acho que mais do que pensar em 2023, podemos pensar no que nunca sai de moda: ter uma casa confortável, aconchegante, segura. Um espaço que reflita sua identidade, sua cultura e também seu país. Apostar na qualidade dos produtos, tipo de tecido e tipo de material importa mais que marcas e grifes. Chique é confortável e autêntico, e sim isso é uma tendência de 2023 (risos).