Um apelo. Pense em um mundo sem subjetividade. Sem interpretação. Tudo literal, limitado. Sim, vem aí uma reflexão inspirada na abertura da Olimpíada, mesmo que o assunto pareça esgotado. Não está.
A chama da pira ainda está acesa.
Muitos rejeitaram a diversidade exposta no evento. Houve quem definisse como uma “parada gay sem restrição de horário”. A velha e pontual resistência à mudança. Eram apenas artistas em cenas alegóricas e multiculturais, um happening festivo – mas os saudosos de 1895 ainda querem Oscar Wilde atrás das grades.
Ninguém é obrigado a ter relações homossexuais, nem a gostar do que vê. É só trocar de canal e continuar preservando seus dogmas, livre para ser como deseja e acreditar no que lhe conforta. Mas gasta saliva à toa quem esbraveja pela volta do padrão oficial de comportamento. A revolução que nos coube é esta, a hierarquia de costumes ficou para trás. Agora, cada um se veste como quer, ama quem quer, e isso não deveria soar ameaçador.
Um mundo horizontalizado, todos com sua devida importância e representatividade.
O que atormenta? Talvez o medo de que nossos netos se tornem drags, trans... Que desperdício de pânico. Confiemos no chamado da natureza humana: cada um descobrirá para o que nasceu, cedo ou tarde, e à nossa revelia. É uma vitória da sociedade quando ninguém mais precisa se esconder atrás de estereótipos para realizar os sonhos dos pais, falsificando a si mesmo.
O que estamos vendo é um ajuste, uma apertada de parafusos, pela segurança da engrenagem: gente feliz agride menos. Ninguém perseguirá héteros, nem os brancos serão escravizados: não haverá revide, tudo continuará a ser como é, apenas sem a tirania do modelo único. O normal é sermos desiguais, como são irmãos e irmãs de uma mesma família.
O sagrado pode ser teatralizado sem risco: não é função da arte inibir, ao contrário, ela expande o espírito, e o humor faz parte desta transcendência. A diversão é expectorante, ajuda a respirar, sem prejuízo à seriedade de nossos valores, portanto, sejamos uma plateia inteligente e relaxada diante de um mundo que jamais cessará de se transformar, é só conferir os livros de História.
Enquanto estivermos vivos, testemunharemos o novo. Quem não suporta, pode fechar a janela, mas sem tentar fechar a dos outros, é ineficaz. O tempo nunca perdeu para o medo, o homem é que perde para o tempo.
Guerras são objetivas como um tiro. A paz, ao contrário, vem do mergulho emocional nas diversas camadas que nos constituem, até que se compreenda que o universo é mais vasto do que nossas escolhas e vontades, e que o amor que dizemos sentir pelo próximo não pode ser da boca pra fora. Se for, aí sim o pânico se justifica.