Era um pátio enorme, com árvores esparsas circundadas por bancos de madeira pintados de vermelho. Nos dias que não estávamos jogando vôlei ou praticando outra atividade física, ficávamos empilhadas naqueles bancos, gastando a hora do recreio em conversas adolescentes – o assunto eram os guris de outro colégio.
Naquela manhã de segunda-feira, as mais bonitas da turma estavam irrequietas, uma falava em cima da fala da outra. A festa do sábado anterior havia sido de fartura. Todas dançaram muito, foram paqueradas, uma delas engatou um namoro “sério” – já durava quase 48 horas. Todas elas, de certa forma, saíram daquele fim de semana meio casadas. Não eu, nem minha amiga Karin. Para nós, havia sido apenas uma festa a mais. Divertida, mas longe de ser o divisor de águas da juventude.
Quando o sinal bateu para chamar as alunas de volta à sala de aula, as bonitonas se afastaram aos cochichos e risadas. Foi quando minha amiga disse para mim: “Melhor a gente se acostumar. Vamos ficar pra tia”.
Isso tudo faz tempo, como o vocabulário entrega. Ela quis dizer que nós não teríamos a mesma sorte das beldades, que nós não teríamos a vida transformada em um conto de fada assim que nos tirassem para dançar, que não éramos o tipo de garota que atraía os rapazes (devorávamos livros como as outras devoravam esmaltes), nós não havíamos sido talhadas para o amor, melhor nos unirmos em desgraça e, em vez de sonhar em formar família, fundarmos uma biblioteca.
Não foi assim que ela falou, mas era este o recado. Ela estava me convocando para o limbo e oferecendo sua parceria como atenuante. Lembro de ter pensado: nós não fomos talhadas para o amor?? Nós quem?
Alguns anos depois, minha amiga foi trabalhar na Europa, em uma gerência que na época era talhada só para os homens, veja só, e hoje, de volta ao Brasil, é difícil encontrar quem seja tão preparada quanto ela. Não quis se casar. Eu, mais convencional, namorei, casei, descasei, namorei de novo e ainda me pergunto: nós quem? Já naquela época, me soava cruel a história de que as bonitas namoravam, e as que liam – porque não tinham namorado – eram recompensadas com os primeiros lugares no vestibular.
Rótulos eram colados em nossos braços como marcas de vacina. Ou você era muito louca, ou muito noiva, ou muito cabeçona. Foi o final de uma era em que ainda se tentava colocar as mulheres em escaninhos. Até que as bonitas começaram a folhear páginas e mais páginas com suas unhas bem esmaltadas, e as que já eram viciadas em livros tornaram-se gatas pelo feitiço da autoestima e da autoconfiança, e hoje somos todas loucas, belas e inteligentes, sem cair mais na esparrela de que temos um destino único. Sim, nós todas. Até as noivas. Até as tias.