Já contei em entrevistas e talvez em alguma crônica, mas já que ninguém lembra de nada mesmo, vou contar outra vez. Tive um diário quando era adolescente, onde escrevi sobre meus 14, 15, 16 anos. Quando fiz 17, em uma determinada página daquela que já me parecia uma longa existência, registrei: “Tenho medo de nunca mais ser feliz como fui até agora”. Chego a me comover com tamanha inocência.
Aos 17, eu era virgem. Nunca tinha saído do Brasil. Ainda não trabalhava. Não sabia o que seria quando crescesse. Não havia tido nenhum namoro que durasse mais do que duas semanas. Não havia sofrido, a não ser as angústias de qualquer adolescente. O que eu havia vivido de tão fenomenal até ali? Uma infância tranquila, confidências com as amigas, danças em festas, fins de semana na praia, shows e cinema, beijocas e paixonites. Quando passei a acreditar que não viveria nada mais empolgante que isso, envelheci. Ao terminar de escrever aquela frase absurda, meus ombros encurvaram e duas pantufas acolheram meus pés.
Velhice é quando o que ficou para trás torna-se superior ao que está por vir. Talvez aconteça com quem está chegando perto dos 90 anos: a improbabilidade de novas estreias conduz a um estado natural de nostalgia. Talvez, eu disse. Pode nunca acontecer: há pessoas que, mesmo com muita idade, estão focadas nos 10 minutos seguintes, onde novas estreias as aguardam. Uma tatuagem no pulso. Passar o aniversário em outro país. Escrever poemas eróticos. Fazer amizade com alguém 20 anos mais moço e mais inquieto. Mudar radicalmente de opinião (não há prazo para aprender sobre aquilo que não dominamos tanto assim). Uma emoção represada que enfim deságua. É tudo vida em frente.
Olhar para trás aos 17 anos? Apego às idealizações, covardia, medo. Olhar para trás aos 50, também, mesmo reconhecendo que é cansativo fazer planos e estar sempre a postos para os imprevistos. Eu mesma não vejo a hora de dar minha missão como cumprida e me instalar numa rede com vista para o mar, onde ficarei lembrando de tudo o que vivi dos 17 até aqui, e não foi pouca coisa. Tenho um patrimônio respeitável de acontecimentos na minha biografia de cidadã comum, e não acharia ruim viver de recordações entre um gole e outro de vinho. Mas as pantufas estariam ao pé da rede, e uma bengala também, já que viver de lembrança não tonifica os músculos.
Então sigo me prontificando a incluir páginas extras no meu diário sem fim. Quando fico tentada a achar que o melhor da vida já passou, como estupidamente achei aos 17 anos (“ninguém é sério aos 17 anos”, escreveu Rimbaud), lembro que o dia de ontem é pré-história e listo as virgindades em mim que ainda aguardam serem rompidas. Amanhã mesmo posso vir a fazer algo que nunca fiz.