Poucos anos atrás, descobri, através de um ritual xamânico, que meu animal de poder é o cavalo. Segundo a crença, cada um de nós possui um animal espiritual que serve como guia e aliado, nos orientando em situações difíceis. Gostei de saber que o meu é o cavalo, símbolo da liberdade e da força, apesar de não fazer ideia de como invocá-lo (não sou boa em pedir ajuda). Como tudo que envolve espiritualidade, imagino que ele esteja dentro de mim e não fora. Me socorre instintivamente.
Minha primeira tentativa de galopar, quando criança, foi um desastre, quase caí. Desde então, alimentei meu fascínio por cavalos olhando-os à distância, sem nunca mais chegar perto. Só depois dos 40 é que fiz a segunda tentativa, que foi mais bem-sucedida. Hoje, quando surge a oportunidade, domino o medo (que ainda sinto) e monto. E, a cada vez, é um acontecimento triunfal. Cavalgar nunca será o mesmo que andar de bicicleta ou moto. É um ser vivo carregando outro. Há uma desconcertante troca de energia. De respeito. Comunhão. Ancestralidade.
Mas quem comanda quem?
Pode parecer que elegi este assunto inspirada pela Semana Farroupilha, tão cara aos gaúchos, mas a gaúcha que me trouxe até aqui foi a cineasta Flavia Moraes e seu belíssimo documentário Visions in the Dark, em que ela aprofunda a relação entre o cavalo, o homem e a natureza. Mesmo quem não se interessa pelo assunto lembrará que bons filmes são sobre o que a gente sente, não sobre o que a gente vê (e se fosse o caso, compensaria: Flavia é uma artista, cada cena é uma pintura).
Nos ambientes em que cavalos e homens são parceiros de lida, a masculinidade predomina através de virtudes como coragem e determinação. Mas, até neste reduto, a mulher vem conquistando espaço e propõe reflexões que, já funcionando em tantas outras áreas, começam a funcionar no campo também. Força é um substantivo feminino. A nossa não se manifesta através da agressividade e da disputa pelo controle. Saímos das cozinhas e das salas de costuras para, ao lado dos homens, domar este mundo selvagem, mas o processo pode ser feito de forma menos violenta. Cavalos são animais majestosos e livres. Não são de ninguém, apenas deles mesmos. Assim como você, assim como eu. Tanto eles quanto nós podemos ser “amansados” através da escuta, da confiança, do amor e da integração com o entorno.
Tradições não precisam morrer, basta que sejam atualizadas. Em tempo de crises relacionais, em que cada um tenta subjugar para não ser subjugado, o filme transcende e nos desperta para o óbvio: estamos todos aqui para proteger-nos mutuamente, não para nos prevalecer. Ninguém comanda ninguém. Menos poder, mais instinto, e chegará o dia em que cada um socorrerá o outro.