Falar em crise seria exagero, mas senti um abalo quando fiz 60 anos. Hoje (domingo, 20 de agosto) faço 62 e ainda não estou totalmente recuperada, e nem sei se quero, já que me encontro em estado de atenção plena aos meus sentimentos. É bonito reconhecer o que muda em mim, o que muda fora de mim e até o que não muda.
Antes dos 60, a passagem do tempo não me afligia. Alguns se incomodam com a chegada dos 30, levam um susto aos 40 (acabou o ensaio: é quando a vida começa, de fato) e ficam mexidos com os 50 – não é bolinho completar meio século. Mas atravessei essas idades sem perder o sono, e só agora entendo a razão: durante todo esse longo período, meu bem-estar dependia principalmente das minhas escolhas.
Gosto muito desta frase: felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem-feitas. O grau de satisfação com nossa própria vida demonstra se acertamos mais do que erramos. Quando avalio meu passado, percebo que não fiz muita besteira, não me boicotei seriamente, desviei pouco dos meus desejos e fui recompensada, tenho quase nada a reclamar. Fiz bom uso do meu livre arbítrio.
A partir de agora, esse jogo vira: precisarei contar mais com a sorte do que com as escolhas.
Ainda decido sobre a minha alimentação, a quantidade de álcool ingerido, a frequência de exercícios físicos, a manutenção dos afetos e a dedicação ao trabalho, mas agora há uma série de outras questões que dependerão mais de torcida do que de empenho. Estou sentada na arquibancada, gritando “vai que é tua!” para mim mesma, apesar de saber que o imprevisível entrou em campo.
Torço para que meus pais, já em idade avançada, mantenham a lucidez e a autonomia – e sigam avançando. Torço para que, mesmo estando com meus exames de rotina em dia, eu não seja surpreendida por alguma doença que confisque minha independência (e que os bancos não confisquem minhas economias).
Torço para não perder o interesse por novos artistas e para que meus neurônios continuem se reproduzindo, assim como o colágeno, mesmo em velocidade reduzida (não se entreguem!). Que minhas pernas aguentem bem as longas caminhadas e que a artrose não venha interromper minha digitação no teclado, preciso escrever. Que eu não leve um tombo patético em alguma calçada irregular.
Que minhas filhas façam bom proveito da educação que receberam e saibam diferenciar as dores que nos amadurecem das dores inúteis. Ah, que eu tenha netos.
Torço para que o aquecimento global ainda demore para acabar de vez com o planeta e que eu não perca a visão, porque a pilha de livros só aumenta. Daqui para frente, é lógico que continuarei fazendo a parte que me toca, mas que meus anjos da guarda também lutem.