Pink is my new obsession. Assim começa um rock da banda Aerosmith. A combinação de guitarra e gaita de boca me seduz mais que a letra, já que não sou fã de cor-de-rosa. Mas me divirto com a parte que diz “you could be my flamingo”, me atraem os flamingos, deve ser pela cor – me contradigo?
Estou bebendo um vinho rosé, ainda por cima. Prefiro os tintos, mas hoje, no meio deste inverno, esquentou em Porto Alegre e calhou o rosé.
Em 2007, lancei Divã na Feira de Turim, e não pense que me gabo, apareceram cinco gatos pingados, se tanto. O fato é que eu ainda não tinha visto a capa do livro em italiano, que se chamava Lettino, só a conheci estando lá e, para meu tédio mortal, ela era toda cor-de-rosa, um rosinha aguado.
Ao perceber minha desolação, o editor explicou que, já que as mulheres compram mais livros do que os homens, fazia parte da estratégia de marketing lançá-lo como um “romance rosa”, mesmo que a história tivesse outros matizes – tive que escutar isso. Estrago feito, ofereci meu melhor sorriso amarelo.
Na mesma ocasião, soube que em Riccione, ao norte da Itália, havia sido inaugurada uma praia exclusiva para mulheres, onde os guarda-sóis, as toalhas, as boias salva-vidas eram todas cor-de-rosa, uma praia sem homens, e entendi que o mundo estava mudando e eu acabaria sendo ejetada, mas perseverei, achei que iria passar, não passou, chegamos à Barbie.
Sou do tempo da Susi, genérica brazuca da Barbie. Não tive Barbie. Eu implicava com o nome e meus pais implicavam com o preço. Preferia bonecas macias por fora e duronas por dentro, era fã da Emília, que era de pano e tinha recheio. Ou vai ver eu nem era tão fã assim de bonecas, adorava o forte apache do meu irmão, seus times de botão, suas bolinhas de gude. Hermafroditismo cerebral, tal qual se apresenta Mercedes na primeira página do Divã.
Distraindo você enquanto não falo do filme. Como sei que não vai render mais que um parágrafo, continuo aqui enrolando, revelando minha antipatia por essa cor que, desde que virou “a nossa cor”, simboliza um mundo de faz-de-conta, sem máculas e revezes, e quem aguenta viver nessa bolha de falsa perfeição?
Vamos lá: o mérito do filme é trazer à tona esta questão, que não é exatamente nova, me parece um ativismo tardio, amparado numa boa ideia, uma boa piada: a Barbie colocando os pés no chão.
Que venha, então, a Barbie somar forças com a gente, mas que raios: vem com ela a alegoria, o cor-de-rosa, o didatismo, a estética cansativa, enfim, é um bom filme, mas não é meu tipo de filme, não é meu tipo de heroína, it´s not my obsession, prefiro as sutilezas, sem bonecas e trucagens, como o filme preto e branco Francis Ha, roteirizado pela mesma Greta Gerwig, e nem por isso menos feminista e feminino.