Se não há como impedir a pulsão doentia dos que se excitam destruindo vidas, façamos amor. É minha proposta, eu que sou especialista em nada, menos ainda em furores assassinos. Façamos amor com a desenvoltura de um acrobata que desvia do tiro, com a flexibilidade de um contorcionista, façamos amor como os dançarinos do tango, deixemos para os gestores do inferno os discursos longos e gelados.
Façamos amor com a boca, as pernas, os olhos e o coração pra fora do peito. Que o prazer que inflamamos em nossas trincheiras íntimas atinja em cheio a humanidade. Que dediquemos a esse hospício mundial alguma compaixão, que nossos corpos não se despedacem em vão, que se mantenham inteiros para, fazendo amor, tocarem o sublime. Façamos amor hoje ainda, com a lâmpada acesa.
Façamos amor porque é isso que falta a eles, porque é um luxo que nunca terão, ocupados demais em ganhar dinheiro e anexar territórios, em apoiar a indústria bélica e em iludir-se que são imortais, façamos amor que isso eles não sabem, que isso eles também têm que comprar.
Façamos amor para tirar a roupa, para ficarmos nus como nua é nossa alma, para glorificar a mais antiga forma de pureza – sexo é o antipecado. Despir-se é uma valentia, uma contravenção poética, é quando retornamos ao nosso estado primitivo, ancestral. Não precisamos de armas para sermos majestosos, não precisamos camuflar o ódio que não sentimos, façamos amor entre nós, porque esse é o nosso acordo de paz.
E façamos não apenas o amor erótico e revolucionário, mas também o amor solidário, o amor de existir com plenitude, o amor que nos encontra pela manhã com a mesma integridade com que fomos dormir à noite, o amor que não é assombrado por pesadelos e culpas, já que nunca traímos nossa essência, não optamos por viver apartados, defendendo apenas um lado. Nosso amor é universal.
Façamos amor, como propusemos em guerras passadas, aquelas que julgávamos finitas e inspiradoras de slogans singelos, make love not war, quando acreditávamos que a estupidez do mundo seria passageira. Façamos amor, mesmo o amor tendo esse nome viciado, quase cafona de tão desgastado, amor. Diante da iminência de morrer pelas mãos dos medíocres, façamos o que nos resta fazer.
A morte não é de todo má, nem de todo abrupta, a morte valoriza o poder das nossas palavras, o silêncio da nossa comoção, as cores vivas da nossa existência, a morte é um prêmio ajustado entre as partes, mas a violência é sempre atroz, a covardia mais vil, o ato verdadeiramente obsceno que emerge do escuro. Façamos amor antes que o último miserável apague a luz, façamos amor à tarde, no claro, de um jeito libertário e insolente, enquanto eles ainda não estragaram tudo.