Neste domingo (12), Caio Fernando Abreu faria 73 anos. Não é uma data redonda, mas é sempre oportuno lembrar este escritor que faleceu aos 47 e se tornou eterno. O Caio F dos contos, das cartas, das peças de teatro, dos romances, e que sem ter conhecido o furor das redes sociais, tornou-se um dos autores mais citados por elas. Qual a razão deste encantamento que não se desfaz, ao contrário, só aumenta?
Deve ser porque são tempos brutos, incultos, superficiais, e Caio era o oposto disso: um homem que tinha a alma concentrada e que mergulhava nos sentimentos. Aperitivava algumas experiências, mas sempre desejou a refeição completa.
Quando todos queriam ser um sucesso, Caio queria ser amado. Acreditava que encontraria no amor seu conforto espiritual, seu lugar no mundo, ele que morou em várias metrópoles sem se enraizar em nenhuma, até que fez do texto o seu lugar, o seu território de reconhecimento.
Caio era pop e profundo ao mesmo tempo. Com suas palavras carregadas de poesia e sensibilidade, revelava o secreto e o escuro que nos habita internamente, dando assim visibilidade para aquilo que não costumamos expor à luz do dia.
Caio era pop e profundo ao mesmo tempo. Com suas palavras carregadas de poesia e sensibilidade, revelava o secreto e o escuro que nos habita internamente, dando assim visibilidade para aquilo que não costumamos expor à luz do dia.
Caio foi e ainda é um holofote, um farol, uma lanterna que ilumina as solidões mais melancólicas. Interessava-se pelos outsiders e pelo lado maldito da vida, mas sem nunca perder o refinamento. Domava o próprio desespero com uma elegância genuína. Ninguém foi tão sofisticado ao retratar a crueza do mundo e a dor da rejeição. Escrevendo, criava cenários visuais para seus leitores, como se o texto fosse um videoclipe. Sua amargura vinha sempre acompanhada da descrição de um sofá estampado no canto da sala, da paisagem urbana que ele via através da janela (onde certamente haveria, no parapeito, um vaso de flor), da música que estava tocando (Nara Leão? Tom Waits?). Caio cultivava suas trevas em bom ambiente, não era de sofrer sem trilha sonora ou sem uma vela acesa no castiçal.
Poucos como ele narraram tão bem a aproximação entre dois estranhos: os gestos lentos, as palavras bem cuidadas, os silêncios espichados. Expectativas quase nunca atingidas, que resultavam em cacos que Caio juntava um a um, formando mais um mosaico da sua coleção de emoções fragmentadas. Ele se foi, mas em nosso universo íntimo, somos como Caio: o tempo passa, a gente se constrói, aí sopra um vento forte e nos esparrama, e então juntamos do chão as partes que ficaram espalhadas e com elas nos reconstruímos, e a cada nova formatação ficamos um pouco melhores do que antes, ou um pouco mais desalentados, mas nunca os mesmos. Só o que não muda é o vaso de flor no parapeito da janela, atenuando nossa desolação. Em meio à tanta bestialidade, há sempre que preparar a casa para a esperança.