Outro dia uma amiga me telefonou para compartilhar uma crise. Ela escreve sobre relacionamentos há bastante tempo, é reconhecida pelo seu trabalho, e está iniciando mais uma obra. Só que, de repente, travou. Ela não consegue escrever sequer mais uma linha, pensa inclusive em jogar no lixo os capítulos iniciados. Perdeu o interesse em discutir ciúmes, desejos, frustrações, paixões, desencontros e interrogações inerentes ao processo todo: será que é o cara certo? Será que vai durar?
Ela escolheu bem a porta em que bateu. Depois de muita dedicação ao tema, também exauri. Há uns dois anos que virei o disco, por vários motivos: o país mudou, outras pautas começaram a me interessar e, além disso, veio essa pandemia que fez com que tudo o mais parecesse desimportante, nossa sobrevivência e nossa capacidade de adaptação passou a ser o foco de nossas vidas. Todos nós trocamos de assunto.
Mas há algo mais. Minha amiga, depois de alguns namoros, está feliz, vivendo uma relação estável e prazerosa aos 50 anos. Eu, idem. Por ora, “interrompemos as buscas”. Lembrei do verso do Nei Duclós: “nenhuma pessoa é lugar de repouso”, mas, contrariando o poeta, me aquietei, e ela, ao que parece, também, e isso não podia ficar de fora da nossa conversa: será mesmo que só conseguimos escrever sobre o que nos atormenta?
Meu coração outrora desatinado agradece o repouso bem-vindo e mais que merecido. Mas duvido que se acostume
Somos pessoas maduras que um dia casaram, tiveram filhos, separaram, amaram de novo, tudo dentro de um cenário que hoje é habitual e que provoca identificação imediata nos leitores. Estamos em constante movimento e colecionamos dúvidas, projeções e tentativas que ora funcionam, ora não. E nos habituamos a debater sobre os bastidores dessas experiências. Até que, sem mais, a fonte seca. E agora? Sabemos que o amor é um grande inspirador de músicas, filmes, óperas: será que todos os seus autores estão passando por perturbações internas? Como se viram aqueles que não estão se sentindo angustiados? Talvez devamos reconhecer que ninguém nunca está plenamente realizado e que sempre há algum ideal que parece inalcançável ou incompreensível: é para onde devemos direcionar nossa criação artística.
Neste ano, lançarei um novo livro de poemas, todos inspirados por algum romantismo, mas, no presente momento, no terreno cotidiano da crônica de jornal, que tem por costume retratar a vida mundana, fui subtraída da vontade de entender tudo sobre o amor, de investigar todas as suas variações. Cortesia da bendita maturidade, que me convenceu de que jamais iremos entender nada, o que é libertador. Meu coração outrora desatinado agradece o repouso bem-vindo e mais que merecido. Mas duvido que se acostume. Qualquer dia ele retorna com suas pulsantes questões irrespondíveis.