"Amor, ganhamos convite para a estreia da peça do..."
"Não vou."
"Posso terminar de falar? É de um ator amigo nosso."
"Agora é que não vou mesmo."
"Mas..."
"Se você fizer muita questão, iremos outro dia, comprando nós mesmos nossos ingressos, sem que ele saiba que estamos na plateia. Se a gente não gostar da peça, sai de fininho."
Fui testemunha desse diálogo meses atrás, quando éramos felizes e não sabíamos: os teatros estavam abertos e pulsantes. Agora, impedidos de frequentá-los, restam apenas as histórias de coxia.
Vai-se ao camarim, depois de um espetáculo, para confraternizar, mas, dependendo da apresentação, pode acabar em saia-justa. Se você detestou a peça, o que vai dizer quando for cumprimentar o elenco? Inversão de papéis: a plateia é que precisa atuar quando as cortinas se fecham e encerram um vexame cênico.
Um conhecido meu, ator carioca, recebe convite para a estreia de todos os espetáculos em cartaz. Não vai de jeito nenhum. É um crítico feroz de quase tudo o que assiste e não tem jogo de cintura para rapapés. Sabe que seria falta de educação receber um convite de cortesia e emudecer sobre o que viu, desaparecer sem dar nenhum feedback, então ele prefere comprar o próprio ingresso e ir na segunda ou terceira semana da temporada, quando ninguém percebe que ele está no escurinho do teatro. Se gostar da peça, aí sim, vira um lorde, não economiza nos elogios.
Eu vou bastante ao teatro e quase sempre gosto muito do que vejo, mas já aconteceu de eu ter que fazer um "teatrinho" na saída, dizendo que adorei o que não adorei tanto assim. Por isso, prefiro ir ao camarim desejar "merda" aos amigos antes da função começar.
Eu vou bastante ao teatro e quase sempre gosto muito do que vejo, mas já aconteceu de eu ter que fazer um "teatrinho" na saída, dizendo que adorei o que não adorei tanto assim.
Não é o ideal, por diversas razões. O elenco está se vestindo. Se maquiando. Se concentrando. Você pode flagrar alguém pelado. Mas ao menos o entusiasmo é genuíno, você não precisa interpretar um personagem canastrão. Jamais esqueci a vez em que vi um sujeito invadir um camarim distribuindo comentários magníficos, quando todos o haviam flagrado roncando durante dois terços da peça.
Por ora, este problema está contornado. Vem aí o projeto Teatro Já. Espetáculos online transmitidos ao vivo. Peças de talentos como Ana Beatriz Nogueira, Paulo Betti, Emilio Orciollo e Marcelo Serrado, com ingressos a apenas R$ 10 (informe-se no site teatropetragold.com.br).
Você assiste em casa, tomando um vinho, sem que ninguém repare caso você durma no meio da sessão. Melhor que isso, só quando voltarmos ao prazer supremo de assistir, frente a frente, grandes atores em cima de um palco – com direito a uma passadinha no camarim depois, para cumprimentá-los com toda sinceridade.