E se em vez de falar de Natal, a gente procurasse entender por que o mundo está de patas para o ar? Pessoas se sentem no direito de serem rudes com as outras, seja por estarem amparadas pelo escudo das redes sociais, seja porque já não sobra um fiapo de paciência e educação. Qual a dificuldade de ser gentil?
Com Deus ou sem Deus, ter uma vida digna depende de nós. O Natal é só um pretexto.
E se em vez de falar de Natal, a gente lembrasse que é livre para decidir? Livre para ficar ou ir embora, livre para continuar com a vida que tem ou arriscar outra coisa, livre para ser quem é de verdade ou continuar fazendo de conta. Liberdade. Que tal experimentá-la antes que seja tarde?
E se em vez de falar de Natal, a gente falasse sobre compaixão? Tanta gente com dívidas impagáveis, sem acesso a um tratamento médico decente, se sentindo solitário, não sendo escutado por ninguém, recebendo da vida uma enxurrada de negativas. Que atenção destinamos aos milhares de "invisíveis" que nos cercam?
E se em vez de falar de Natal, a gente falasse das responsabilidades que nos cabem? Postar contra o racismo, contra a homofobia, contra o feminicídio, isso qualquer um faz para ostentar consciência e ganhar likes em seus perfis, mas e no dia a dia? Como você se comporta, que tipo de piada faz, qual sua reação ao ver alguém sendo discriminado? Não há saída se não dermos nossa contribuição concreta para a sociedade mudar.
E se em vez de falar de Natal, a gente falasse de arte, ainda que pareça cansativo bater nesta tecla? Cinema, música, teatro, literatura, tudo isso é mais do que entretenimento. É preciso frequentar shows, exposições, feiras de artesanato, mostras fotográficas, rodas de chorinho e samba, qualquer coisa que extraia a emoção e a sensibilidade que estão dentro de nós, mas que, sem serem provocadas, fazem a gente parecer apenas um robô cumpridor de tarefas.
E se em vez de falar de Natal, a gente falasse de amor? Não os amores dilacerantes que viram roteiros e poemas, mas do amor sem o aditivo da angústia: amor real, compartilhado, maduro, inteligente, amor que se reconhece um projeto de satisfação, alegria, construção. Amor que não se rende aos apelos do sofrimento, aparentemente tão sublimes, mas amor que trocou a dor narcísica pelo contentamento simplificado.
E se em vez de falar de Natal, a gente falasse da fé nos acasos, da importância de não ceder a vulgaridades, da autonomia das nossas escolhas, dos favores que a vida nos fez, da poesia que há nas miudezas, de como é importante acordar, tomar café, escovar os dentes e continuar a busca pela plenitude possível?
Com Deus ou sem Deus, ter uma vida digna depende de nós. O Natal é só um pretexto.