E olha ela de aniversário outra vez, a Porto Alegre de quem a gente reclama, reclama e reclama. Mas atenção, só tem direito de reclamar quem nasceu aqui ou, vá lá, já mora por essas bandas pela vida inteira.
Porto Alegre, que faz 252 anos no dia 26, tem seus problemas, ah, se tem, mas é nossa. Não venha botar defeito se você é um paulista em visita, um carioca em trânsito, um mineiro perdido. Embora os mineiros sejam bem mais generosos em suas críticas, ao menos na minha experiência pessoal.
Porto Alegre sabe ser provinciana, quando quer. Não faltaram vereadoras gritando contra o livro de Jeferson Tenório, O Avesso da Pele, proibido por uma diretora de escola de Santa Cruz que ficou nacionalmente conhecida ao censurar a obra vencedora do prêmio Jabuti. Triste fama, dona diretora. Pior que o reacionarismo contagia, depois disso O Avesso da Pele também foi proibido em escolas do Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná. Porto Alegre, que sempre foi uma cidade da cultura e dos livros, podia ter passado sem essa.
Porto Alegre sabe fazer prédios gigantescos, todos iguais com suas peles de vidro, brotarem do nada onde antes havia uma área verde ou uma casa antiga. Direito de quem vende, que fique bem entendido. Por sorte o porto-alegrense raiz é, antes de tudo, um chato que cai lutando. Não fosse isso e periga nem o Jardim Botânico existir mais. Porto Alegre também sabe ser a cidade de uma farmácia a cada esquina, mas isso não é só ela. As farmácias vão dominar o Brasil, e olha que os remédios estão pela hora da morte. Haja comprador.
Porto Alegre sabe ser quente, grudenta, gosmenta e mais todos os adjetivos que dão uma pálida ideia do que acontece com seus habitantes, derretidos vivos e transformados em uma massa pegajosa que encharca as roupas e os cérebros. Bem verdade que a sensação térmica no Rio de Janeiro passou dos 60 graus, esses dias. Consola quando se abre a porta e o calor atinge a gente como um soco do Popó no Kleber Bambam?
Mas Porto Alegre também sabe ser generosa. Em busca de teatros para filmar um curta, conseguimos no amor – e bota amor nisso – a colaboração do Theatro São Pedro e do Teatro Renascença. Aí que eu digo, Porto Alegre é uma cidade que valoriza a cultura, o que não tem nada a ver com manifestações a favor da censura e do obscurantismo. É uma cidade que se orgulha de seus artistas, que está recuperando as manifestações populares, que ama as livrarias de rua – espero também que compre nas livrarias de rua, que há 70 anos faz a Feira do Livro mais charmosa do país, que tem Gre-Nal, Luis Fernando Verissimo, a Casa de Cultura Mario Quintana e o Capitólio, editoras que nunca se entregaram, lugares que resistiram e tanta gente bacana que precisaria de um jornal inteiro para citar.
Isto tudo posto, feliz aniversário, Porto Alegre. Não é porque a gente reclama, que não te ama. (Da série: poesia numa hora dessas.)