Meu irmão sempre carregou o fardo de ouvir as conversas das pessoas, mesmo que não quisesse. Dentro de um ônibus, na mesa de um restaurante, tomando café no balcão de uma padaria, ele nunca podia estar a sós com os próprios pensamentos, as vidas alheias teimando em entrar pelos seus ouvidos.
Hoje se sabe que a sensibilidade auditiva é uma das características do autismo, mesmo o de grau mais leve, diagnóstico que o meu irmão teve recentemente. Mas até isso acontecer, ele não entendia por que diabos era obrigado a ouvir todos os desconhecidos que o cercavam. Isso quando não passava por fofoqueiro, enxerido, intrometido, bisbilhoteiro e mais tudo isso que a gente diz de quem fica de butuca no assunto dos outros.
Pelo sim, pelo não, faz muito tempo que ele não é visto sem seus fones de ouvido. Um abelhudo culposo em franca negação.
Já eu, que não tenho nenhum diagnóstico como álibi, espicho as orelhas para ouvir as conversas próximas, não para passar adiante, “prepara que eu tenho uma quente”, mas porque não existe melhor matéria-prima para escrever do que a vida de verdade.
Para provar, aí vão alguns exemplos. Os nomes serão preservados porque nunca se sabe, vai que alguém tenha a mesma mania que eu e reconheça os personagens. Melhor evitar os processos.
•••
Mulher ao celular no banheiro do shopping: “Guria, eu acho que o Fulano tá a fim da Beltrana, que foi contratada para o nosso setor. Trabalho com ele há cinco anos e parecia que há cinco anos o cara não tomava banho. Quando tirava os sapatos embaixo da mesa, a gente saía abrindo todas as janelas, era como se tivessem despejado um caminhão de parmesão vencido no meio da sala. Desde que a Beltrana chegou, ele muda de roupa duas vezes por semana e periga até lavar os pés. Rezando para eles ficarem juntos, já pensou se o Fulano começa a tomar banho? Vai melhorar demais o nosso ambiente de trabalho”.
•••
Rapaz e garota no bloquinho de Carnaval no sábado passado, na frente da linda Livraria Baleia:
ELE: Eu beijei aquele cara ali!
ELA: Eu também!
ELE: Então a gente se beijou por osmose!
•••
Dois homens à mesa do restaurante, cada um com o seu drinque e os dois mexendo no celular enquanto conversam – sem se olhar:
HOMEM 1: Eu vou ter que demitir. Não tem outro jeito.
HOMEM 2: Situação chata. Por mais que se tenha experiência, é sempre difícil.
HOMEM 1: Que nada, eu gosto. É tipo um detox, de vez em quando, é bom fazer.
•••
Duas amigas no banheiro da academia:
AMIGA 1: Vou ter que falar com o meu personal. O meu treino não rende mais.
AMIGA 2: Para com isso. Olha o tamanho dos teus bíceps. Tu quer ficar igual à Gracyanne?
AMIGA 1: Eu quero ficar igual ao Daronco.
•••
É como se diz: a literatura não pode ser inverossímil, mas a vida pode. E é.