Aeroporto lotado, todo mundo querendo voltar para casa na última possibilidade de um domingo pós-Carnaval. Eu teria viajado antes, mas aquele foi o voo mais barato, fazer o quê?Atrás de mim, na fila de embarque, dois rapazes altos, loiros e fortes conversavam.
— Ela quase não me deixou embarcar, a vagabunda.
— Que foi que deu na vadia?
— Só porque eu cheguei cinco minutos depois de encerrar o embarque, a cadela não queria me deixar fazer o check-in.
— A piranha não queria te deixar embarcar por cinco minutos?
— Tinha que ver o sorrisinho de satisfação da vaca quando me disse que tinha encerrado. Mas daí eu fui para cima e pedi para falar com o chefe dela.
— Deve ser uma mal-comida, nem esquenta.
E seguiram por mais alguns instantes discorrendo sobre como chegar cinco minutos atrasado não deveria ser impedimento para nada. Custava a baranga deixar o bonito entrar? Logo ele, todo pimpão no seu sapatênis, ia perder o voo por causa de um bicho feio daqueles?
Sem nem entrar no mérito dessa discussão, a de que hora marcada é para ser respeitada e que a coisa ficaria bem mais esculhambada se a gente pudesse chegar aos voos, consultas, trabalhos e etc na hora que nos desse na telha, chamou a atenção a quantidade e o baixo nível das ofensas que os dois desferiram contra a funcionária da companhia.
Vagabunda. Vadia. Piranha. Cadela. Vaca. Mal-comida. Baranga. Bicho feio.
Se fosse um homem a atender o cara, ele teria ouvido os mesmos argumentos sobre o atraso, mas aposto que trataria o funcionário com mais educação. Provável, também, que não contasse o caso para o amigo chamando o tal funcionário de vagabundo, vadio, cachorro, mal-comido e bicho feio – não me ocorreram adjetivos masculinos com significados equivalentes para piranha, vaca e baranga. A gente diz que é machismo e uns e outros se ofendem, mas é o quê?
Pior que tem uns espertos ganhando dinheiro à custa dos perdidos, ingênuos, solitários e/ou todas as alternativas, se apresentando por aí como “coaches de masculinidade”. São os representantes do chamado movimento red pill, que surgiu nos fóruns mais obscuros da internet, com ligações fortes com a extrema direita, deturpando um conceito que vem do filme Matrix, de 1999. O tal movimento se propõe a fazer seus escolhidos enxergarem o que ninguém mais vê, trazendo uma verdadeira percepção da realidade.
Os novos red pillers se opõem “ao sistema que favorece as mulheres” por acharem que elas não são fiéis e não têm bom caráter. E que os homens não devem casar, nem namorar, apenas fazer sexo para não permitir que alguém se aproveite deles.
Pergunta que se torna necessária: e quem vai querer fazer sexo com um ridículo desses?
O tal movimento red pill é tão bizarro que até assusta saber que um de seus expoentes – contém ironia – discorre sobre como tratar as mulheres para mais de 300 mil seguidores. É puro suco de discurso de ódio. Daqui a pouco o tal coach toma um cartão vermelho e sai por aí entoando o mantra: quero minha liberdade de expressão irrestrita.
Meninos do Brasil, não caiam nessa. Ninguém aprende a ser homem pagando para um fracote de masculinidade frágil repetir chavões que mais parecem piadas velhas.
O mais engraçado de tudo isso é que os aprendizes desse tipo de coach só se matriculam nesse tipo de furada com um único objetivo: pegar mulher. Um psiquiatra viria bem melhor nessa hora.