Depois de anos sem acompanhar uma novela, acho que desde O Clone, que fez meu filho, então um toquinho, trocar os Power Rangers pelas criações do doutor Albieri, fui fisgada por Pantanal.
Bem verdade que a possibilidade de ver a novela na hora em que se quiser ajudou. Longa vida aos aplicativos, que tornam possível ao vivente não se irritar com as inserções políticas dos intervalos comerciais. Você ali, sonhando com o quartinho dos peões, e entra um deputado federal que lutou pela cloroquina se dizendo o mais qualificado para o governo do Estado. Ou outro, tapado de maracutaias, querendo ser o próximo ocupante do Piratini.
Me poupe, como se diz na língua culta.
Não assisti à Pantanal dos anos 1990, mais preocupada que estava com outras coisas, incluindo o desprezo pelo que meus parentes gostavam. Era jovem, mil perdões. Hoje estou do outro lado do balcão, sofrendo o desprezo pelos meus gostos. Como diz meu irmão, a terra gira é para nos fazer cair. A única vantagem é que tudo é inédito para mim, Juma, Jove, José Leôncio, Filó. E Maria Bruaca.
Que personagem, a Maria Bruaca. E que atriz. Nunca tinha visto a Isabel Teixeira em cena, quanta sensibilidade para encarnar uma mulher que já vi tantas vezes na minha avó, na minha mãe, nas irmãs, nas amigas, em mim mesma. A pessoa desvalorizada por cuidar da casa e dos outros, se contentando com o que sobra. E não sobra nada. Só pela Maria Bruaca, Pantanal já vale a viagem.
A novela privilegia os dramas masculinos. Até agora, já são dois filhos sofrendo pelos pais ausentes, mais o Jove, que não se dá com o pai. Jove, tão bonito quanto enjoado e, a bem da verdade, um tanto tóxico, além de usar as camisetas mais feias da dramaturgia brasileira. O ator é bem melhor que o papel que lhe coube. Já os dramas das mulheres são mais objetivos, quase todos envolvendo algum tipo de vingança. Ou a reafirmação de território, caso da Filó. Ou a luta por um amor, que não há heroína — gente ou onça — que passe ao largo dessa jornada, na ficção e na vida.
Esta humilde coluna não poderia terminar sem uma menção ao quartinho dos peões do Zé Leôncio. Se a vida real é mesmo assim, me penitencio por não ter abraçado as lides campestres. Todos os peões do Zé Leôncio, ele incluído, são lindos e se vestem na estica para as tarefas mais comezinhas. Mais: todos são românticos, homens que não conversam sobre gado, terras, a hora da ordenha, só falam de amor. O que tem parte com o capeta é maravilhoso. O vilão é um arraso. Tadeu e Tibério são duas pinturas, broncos e honestos até o último músculo. E vem aí José Lucas, mais um sensível para se juntar à turma. Um belo elenco, sem dúvida. Telespectadoras e telespectadores mereciam esse colírio.
Brincadeiras à parte, um novelão como Pantanal tem um quê de terapia, deixa a cabeça leve por alguns instantes. Cai bem depois de um telejornal cheio de tretas, de um embate Ciro x Gregório, de mais um pulo da inflação, de outro aumento da gasolina, de dinheiro público indo para o ralo etc etc etc. Novela pegada mesmo, a gente sabe, vem aí a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral.
Até lá, deixa a peoa sonhar.