Um
Os dois se conheceram no colégio. Três anos de namoro, dois de noivado, casamento na igreja e no cartório. Ela, professora. Ele, vendedor em uma revenda GM. Quando foi promovido a gerente, tiveram um menino. Cinco anos depois, ele virou sócio e nasceu a menina.
Nunca brigaram, nenhum dos dois têm amantes, os filhos já estão na faculdade, iam ao supermercado juntos uma vez por semana antes da pandemia, ninguém da família pegou coronga e ela adiou a festa das bodas de prata, que completaram em 2020, para maio de 2021. Eles acreditam que sai, com muitos convidados e a segunda lua de mel em Paris.
Eu conto ou você conta?
Dois
Os dois se conheceram no colégio. Três anos de namoro, dois de noivado, casamento na igreja e no cartório. Ela, professora. Ele, vendedor em uma revenda Ford. Quando foi promovido a gerente, tiveram um menino. Cinco anos depois, ele virou sócio e nasceu a menina.
Ela se decepcionou com a carreira de professora. Quer dizer, com a forma como o poder público tratava a carreira de professora. Com mais de 20 anos de escola, ganhava proporcionalmente menos do que quando começou a trabalhar. Passou a participar das reuniões do sindicato. Fazia vigília na frente do Palácio. E, como sempre foi boa em música, tocava a sineta em diferentes ritmos. Nunca reclamou por entrar férias adentro para recuperar as aulas perdidas nos dias de greve. Em época de pandemia, trabalhava ainda mais, atendendo seus alunos online em uma jornada sem hora para terminar.
Já ele estava tranquilo, empresário que ia levando, apesar das incertezas. Tudo piorou com a pandemia. Quando a Ford decidiu sair do Brasil, entregou os pontos. Prevendo mais dificuldades, passou a revenda adiante e se declarou um jovem aposentado por vontade própria. Passava os dias vendo TV, o que atrapalhava as aulas dela no computador da sala. O que queria barulho foi se irritando com a que precisava de silêncio, e vice-versa. Quem acha que isso é pouco para terminar uma relação que tente pensar com cinco horas de Fórmula 1 no Home Theater. Claro que não foi só por isso, havia muita coisa acumulada naqueles 25 anos de casamento – que não puderam ser comemorados em 2020 por causa do isolamento social, e que eles decidiram não festejar mais tarde. Quando ela soube que ele estava no Tinder, sugeriu que se mudasse para a casa da mãe. Que ainda ontem ele levou para tomar vacina, e depois postou a foto no Instagram, e ela curtiu, porque sempre gostou da ex-sogra e porque chora a cada pai e mãe dos outros que são vacinados.
De qualquer jeito, esse é um final feliz porque nenhum dos quatro pegou coronga. E isso, nos dias de hoje, é o que de melhor pode acontecer em qualquer história.
O filho e a filha? O rapaz está no quarto, jogando Counter-Strike, e a menina recém tinha ido estudar em Lisboa quando a pandemia estourou. Não volta tão cedo. De qualquer jeito, esse é um final feliz porque nenhum dos quatro pegou coronga. E isso, nos dias de hoje, é o que de melhor pode acontecer em qualquer história.
Três
Os dois se conheceram no colégio, mas mal se cumprimentavam. Há poucos dias, uma amiga contou que ele já está no quinto casamento, e ela comentou: “Que disposição”. Depois mudaram de assunto e ele nunca mais entrou na história. Ah, ela vai tomar a vacina amanhã.