Vai que já vai tarde, 2020. Vai e leva junto tudo o que não deu para fazer nesse ano. Todos os planos que, de repente, sumiram. As viagens que não saíram pela porta. As ideias que ficaram só na vontade. Os abraços e os beijos que se acumularam dentro da gente. A saudade de um mundo que até podia ser cheio de defeitos, mas que era nosso.
Vai que já vai tarde, 2020. Não foi fácil chegar até o teu fim. O mais estranho é que os dias, que pareciam não passar nunca, passaram. Tanto que estamos aqui, desejando que 2020 logo seja só mais uma folha arrancada do calendário.
Vai que já vai tarde, 2020.
Se possível, arrasta contigo todos os negacionistas que encontrar pelo caminho. Para parecer que esse tsunami de ignorância que varreu o Brasil não passou de um pesadelo – longo demais, é verdade, mas um pesadelo. Antes isso que uma condenação ao retrocesso. Bons tempos em que nos chamavam de “país do futuro”.
Vai que já vai tarde, 2020. Embora a tua saída de cena jamais vá apagar os quase 200 mil mortos que se espalham pelos teus meses.
Vai que já vai tarde, 2020.
O ano que, para o bem e para o mal, ninguém vai esquecer. Se faltou tanto, sobrou solidariedade também. Foram muitas as iniciativas para levar alimentos a quem ficou sem nada, pagar as contas de quem perdeu tudo, abrigar e acolher. Quem pôde não ficou de braços cruzados. Sem esse mínimo consolo, os 365 intermináveis dias de 2020 estariam mais para um filme de terror B, roteirinho dos mais chinfrins, que para um capítulo da vida real.
No futuro, quando filmarem essa história, que não venham com o George Clooney ou o Will Smith nos papéis principais. Foi um ano protagonisado pelas mulheres
Só uma coisa. No futuro, quando filmarem essa história, que não venham com o George Clooney ou o Will Smith nos papéis principais. Os homens que leem esta coluna, e eles são muitos, vão ter que me desculpar, mas acho que esse 2020 – que já vai tarde – foi um ano protagonizado do início ao fim pelas mulheres. E como a retrospectiva é minha, a Damares fica de fora.
Nos países governados por mulheres, a pandemia foi enfrentada sem mentiras desde o início, assim como a segunda onda está sendo encarada com dureza. No Brasil, duas cientistas foram as primeiras a sequenciar o genoma do novo coronavírus. Em qualquer telejornal, a qualquer hora em que se sintonizasse, a bióloga Natalia Pasternak estava lá, esclarecendo o público – ela, várias médicas e médicos e o doutor Dráuzio, claro. Não quero parecer sexista, mas as mulheres seguraram uma barra pesada dentro das casas e mataram no peito os problemas domésticos sem deixar a vida profissional de lado. Quem conseguiu chegar ao fim desse fatídico ano com o emprego a salvo teve que fazer milagre para dar conta de tudo.
Há quem diga que as mulheres se saíram melhor porque, desde sempre, têm um gerenciador de crises interno. Algo parecido com uma tecla ou um chip. Na verdade, o que os incautos confundem com tecnologia é bem o contrário disso. O nome é coração. Não que seja exclusivo. É grande a quantidade de homens que vêm se utilizando desse recurso nesses tempos tristes.
Vem logo, 2021. E traz contigo a vacina, a esperança, a retomada, o horizonte. Se o nosso coração fez o que fez nesse 2020 – que já vai tarde –, imagina do que vai ser capaz quando o mundo voltar para a gente.