O Carnaval acabou, e já vem aí o Dia Internacional da Mulher, que hoje tem um caráter bem diferente daquele de antes, quando se era obrigada a aceitar uma rosa vermelha, meio murcha, na chegada ao supermercado. Ainda se fosse na saída, mas não. A homenageada tinha que fazer as compras equilibrando a pobre rosa entre um litro de leite e meio quilo de guisado.
Segundo dados de 2019 do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
Acho que, enfim, as marcas entenderam que não é uma flor embalada em celofane que a gente quer no dia 8 de março e em todos os outros. É, isso sim, respeito e o fim dos abusos de todas as ordens. Sem mimimi, antes que reclamem, mas pela civilidade.
Segundo dados de 2019 do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Aqui se mata 48 vezes mais mulheres do que no Reino Unido, 24 vezes mais do que na Dinamarca e 16 vezes mais do que no Japão ou na Escócia. Mesmo assim, as verbas governamentais para programas que combatem à violência doméstica foram suspensas agora em fevereiro. Aguardemos o resultado desta medida no ranking de 2020. Pessoal quer ver o Brasil no topo.
Com tudo isso na cabeça, a leitura de Mulheres Empilhadas, romance de Patrícia Melo, é um soco - no único bom sentido, o do impacto que causa. A personagem principal é uma advogada paulista que vai para o Acre, Estado com a maior taxa de assassinato de mulheres do país, para acompanhar um mutirão de julgamentos de casos de feminicídio. Ela mesma presenciou a mãe ser morta pelo pai aos quatro anos de idade e, se não bastasse, está tentando sair de um relacionamento abusivo.
O romance mistura a história da personagem, sem nome porque poderia ter todos os nomes, com outras duas camadas. A que vem em índice numérico apresenta casos reais retirados das páginas dos jornais. Em índice do alfabeto grego, traz os encontros da advogada com uma tribo de guerreiras amazônicas. É a parte mais fantasiosa e, de certa forma, bem-humorada do livro.
A personagem acaba se envolvendo no assassinato de uma menina índia. Para ser sincera, o final do livro decepciona um pouco, simples demais para uma trama tão complexa. Mas não muito diferente do que acontece nas vidas reais.
Mulheres Empilhadas, o título, é como a advogada se refere aos corpos das assassinadas, que vão se empilhando ao longo do livro e do país, inúmeros casos em que os criminosos, no mais das vezes, acabam impunes. Sem esquecer que o Brasil também é o país onde mais se mata mulheres trans, travestis e homossexuais. O mito do brasileiro cordial foi substituído pela realidade do brasileiro intolerante.
Um caso que merecia estar no livro de Patrícia Melo é o de Bruna Silva, 19 anos, menina de Bom Jesus. Agredida com socos e chutes pelo ex-namorado, testemunhados por uma amiga, foi socorrida pela Brigada Militar. De Vacaria, o delegado orientou o agente de plantão para que fizesse apenas uma ocorrência, sem enquadrar o caso na Lei Maria da Penha. O agressor não foi preso nem teve o nome divulgado. No dia seguinte, Bruna, que começaria a faculdade em fevereiro, foi trabalhar, mas passou mal. Ficou internada até às 9h30min do dia seguinte. Voltou para o hospital na mesma tarde e morreu no início da noite. O legista não encontrou relação entre a morte dela e o massacre. As últimas notícias deram conta de que o ex-namorado, que segue livre, seria processado por lesões corporais. Bruna deixou um filho de dois anos.
Por essa e muitas, muitas outras, é que o dia 8 de março é uma data importante. Mas podem economizar as rosas murchas e os cartões com frases cafonas. Definitivamente, não é isso que as mulheres querem.
***
Uma correção importante sobre a coluna da semana passada: Rui Gonçalves, o livreiro da Palmarinca, deixou quatro filhos: Alexandre, Dinah, Rui e Natália. Força para eles e toda a família.