Morreu o Rui da Palmarinca. O Rui Gonçalves, que abasteceu gerações de leitores com a livraria que enfrentou, de portas abertas, a chegada e o declínio das grandes redes. Era raro entrar na Palmarinca e sair de mãos vazias. O Rui sempre tinha uma sugestão ou um comentário sobre alguma obra, uma isca para o cliente. Porque precisava vender, claro, mas muito mais pela necessidade que todo leitor apaixonado tem de dividir suas descobertas.
O Rui da Palmarinca morreu de um jeito trágico, quase inacreditável. A segunda passada amanheceu com a notícia. Morreu limpando as calhas da livraria, morreu ao cair de quatro andares de altura, morreu o Rui da Palmarinca. Inverteu a lógica, em geral são as livrarias que morrem antes. Deixou um filho, família e incontáveis leitores. Levou junto os milhares de livros lidos nos seus 68 anos – que pareciam muito menos. Ler rejuvenesce.
A morte do Rui me fez pensar nas livrarias de rua que, assim como a Palmarinca, e independentemente de percalços de todas as ordens, se recusam a desistir"
CLAUDIA TAJES
A morte do Rui me fez pensar nas livrarias de rua que, assim como a Palmarinca, e independentemente de percalços de todas as ordens, se recusam a desistir. Desmentindo a Porto Alegre que, às vezes, parece não se importar muito com a cultura, muito mais por seus governantes do que por seus habitantes. Em homenagem à Palmarinca, e desejando que ela continue viva por muito tempo ainda, aqui vão algumas das chamadas pequenas livrarias da cidade. Que de pequenas não têm nada. É preciso ser grande para não entregar a rapadura nesses tempos difíceis.
O Centro Histórico reúne boa parte delas. São várias as filiais do Beco dos Livros, marca que socorreu muita gente na era pré-internet. Livros esgotados, desaparecidos, desconhecidos, ou tinha lá, ou não existiam. O mesmo valia para Aurora, Ventura, Ladeira, Nova Roma, Só Ler e outras tantas que a minha memória carcomida não consegue mais resgatar. A Sanskryyttus me desafiou durante anos pelo nome e a placa que ostentava, orgulhosa: Livros Raros. A Erico Verissimo se espraia na Jerônimo Coelho, quase Duque. Pertinho, na Osvaldo Aranha, a Londres e a Traça seguem firmes. A vizinha Cirkula tem prateleiras e mais prateleiras de não ficção com um café na medida. A Via Sapiens, na República, é uma alegria para a alma e os neurônios.
O Centro Histórico também é lugar de uma nova geração de livrarias. São três só na Fernando Machado. A simpática Padula trabalha com livros novos e usados. A Taverna é linda, tem muitíssimas opções e espaço para novos autores – que ela também edita. Isso sem falar nas oficinas e nos cursos que rolam por lá. A Baleia, na sequência da rua, fica em uma casa incrível onde é possível encontrar livros de autoras que dificilmente frequentam as prateleiras tradicionais. É uma curadoria inteligente e incansável que merece vida longa. Vale a pena prestar atenção nos cursos que a Baleia promove. Instagram, Facebook, tudo de todas as livrarias a gente encontra nas redes.
A Pocket Store fica na Félix da Cunha. Sou suspeita para amar porque o proprietário é também o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, pessoa que tem o talento de reunir livros ótimos e gente boa. E vice-versa. Apesar do nome, a Pocket Store só é pequena por conta dos metros quadrados – que são uma graça. Sai livro de todos os lados e quase tudo o que se pensa, tem.
O Rui da Palmarinca certamente gostava de ver a cidade aberta para novas páginas e tantas histórias. Dizem que os livreiros não são concorrentes, são apoios uns para os outros. Tomara que Porto Alegre apoie as pequenas livrarias e que a gente possa viver feliz com elas por muitos e muitos anos.