Foi no aeroporto lotado, em um daqueles momentos em que tudo podia dar errado. Acontece muito, a gente vai para a frente do portão de embarque anunciado nos monitores do saguão e fica lá, a vida passando na cabeça, a atenção abduzida pelo livro, o WhatsApp chamando. Fica, mas não fica, o corpo a postos e os pensamentos, a alma, o espírito, o que quer que movimente a carcaça, mais distante do que a rota mais distante oferecida para os viajantes ricos de tempo e dinheiro. Corpos e pensamentos não ocupam o mesmo lugar no espaço, é assim desde que a professora tentava nos fazer decorar as capitanias hereditárias, desde as cerimônias das quais não se escapa, desde as ocasiões solenes a que não se pode faltar, desde sempre.
O portão havia mudado. Os tiozinhos, as senhoras, as mães, as crianças, todos já ocupavam seus apertados lugares no avião. Disparei aeroporto afora, destino: piso inferior. O que significava voar pelos corredores, descer as escadas e ainda rezar para um último ônibus me levar até os pés da aeronave.
Quando percebi que o portão de embarque havia mudado, estávamos eu e a solidão no recinto. Cadê os tiozinhos que andam bem devagar, alguns apoiados em bengalas? E as senhoras que caminham em ritmo próprio, as mães com bebês no sling, as criancinhas que param a todo instante para se encantar com uma lixeira ou uma mala? Como sumiram todos se eu estava ali com eles, de frente para o portão, na boca do túnel, na cara do gol?
Estava, mas não estava. É que abri os jornais no celular e não deu outra, um portal me sugou. Mais não sei quantos agrotóxicos - por que não dizer venenos? - liberados na nossa comida. Uma aldeia indígena invadida e um índio morto por quem não acha que eles têm direito à terra. Garimpeiros e madeireiros babando, é nois, Queiroz. (Falando em Queiroz, alguém sabe, alguém viu?) Deportação sumária de estrangeiros considerados suspeitos ou perigosos. Hackers no novo polo tecnológico nacional, Araraquara. Conteúdos cabeludos desconsiderados porque, né, crime é a forma como se obtém uma prova, não a prova em si. Magistrados e procuradores agindo como se a Justiça fosse o churrasco da firma. A claque rindo de grosserias e impropérios disparados contra jornalistas no exercício de suas mal pagas funções. Senhores de cabeça branca, ou de cabelos lustrosos de tanto Grecin 2000, dando chilique em eventos oficiais. Conotações sexuais em pronunciamentos à nação. A agressão totalmente sem sentido ao presidente da OAB. E foi aí que olhei em volta.
O portão havia mudado. Os tiozinhos, as senhoras, as mães, as crianças, todos já ocupavam seus apertados lugares no avião. Disparei aeroporto afora, destino: piso inferior. O que significava voar pelos corredores, descer as escadas e ainda rezar para um último ônibus me levar até os pés da aeronave. Falando em pés, foi nessa hora que os meus tropeçaram em sei lá qual obstáculo e fui-me, os dois joelhos no chão. Uma mais delicada nem levantaria, mas não é meu caso. Levantei e segui a carreira. Para onde mesmo?
Última chamada, portão 17. Não, tudo menos isso. 17, não!