Entre coisas e coisas que estragam o humor de alguém, uma é ouvir a clássica frase: "Eu não tenho nada contra pessoas gays, até aceito". A única resposta possível: mas como assim, até aceita? Quem és tu, cara pálida? Não estás te dando importância demais, não?
Sempre pode ser pior. Há alguns dias, comentando a chuva que cancelou a caminhada da Parada de Luta LGBT+ de Porto Alegre, o motorista do táxi lascou um "graças a deus, a gente sabe que esses doentes existem, mas não é obrigado a ver. Bando de bichas".
Para o táxi. Para o mundo. Para tudo. Em busca apenas de transporte, a passageira é obrigada a aturar a opinião preconceituosa do motorista. Converso com quem for, ouço sempre (quase sempre, vá lá) de boa vontade, mas quando há respeito. É saudável, é bonita, é madura a convivência de quem pensa diferente. Desde que haja respeito. Já em uma relação puramente comercial e transitória como uma corrida de táxi, me poupe. Estou pagando pela corrida, não pela opinião de um sujeito homofóbico. É a minha opinião. Desculpe qualquer coisa.
Há duas semanas, em São Paulo, três milhões de pessoas se reuniram na Avenida Paulista para a Parada do Orgulho LGBT+. Três milhões, mais do que a população de Porto Alegre, pouco menos do que a população do Uruguai. Três milhões de pessoas gays e não gays, de todas as idades, de todos os jeitos, de todas as profissões, de todas as condições, todas querendo a mesma coisa: respeito. Tão simples.
De resto, pessoas gays são talentosas, são amigas, são engraçadas, sofrem, trabalham, pegam ônibus lotado, pagam contas, pagam impostos, cozinham, tomam banho, têm bichos, ficam doentes, votam, vão ao cinema, visitam os pais no domingo, amam, leem, compram, viajam, tudo igual às pessoas héteros. Não parece que já passou da hora de não entender isso?
Segundo a prefeitura de São Paulo, a parada injetou R$ 403 milhões na economia da cidade, 40% a mais do que os R$ 288 milhões de 2018. Teve o patrocínio de grandes empresas. Foi difícil encontrar hotel. Os restaurantes da região tinham filas, os shoppings venderam, as lojas de rua também. Gasto médio do turista: R$ 1.634. Antes que alguém diga "eu que não quero essa esculhambação na minha cidade, imagina a balbúrdia que foi", foi assim: um casamento coletivo em um cartório e sete horas de shows na avenida. No meio de tudo isso, 18 pessoas presas por roubo.
Dezoito em três milhões.
Ainda vai chegar o dia em que tanto fará a pessoa ser gay ou não ser, dia em que ninguém mais vai se achar no direito de matar só porque duas, ou dois, estavam se beijando na rua. Não pode ser que isso não aconteça. Bem verdade que 2019 está testemunhando retrocessos de todas as ordens, mas é um tempo em que já se fala em computação quântica (cuma?), realidade aumentada em todos os lugares e 5G nos telefones - o que a minha operadora vai ignorar. Aposto que vai continuar deixando os clientes no 3G mesmo.
Pessoas gays seguem sendo as que mais adotam crianças no mundo. E são elas as que mais adotam crianças rejeitadas, as que já passaram da idade pretendida pelos candidatos a pais ou que têm alguma doença ou deficiência. De resto, pessoas gays são talentosas, são amigas, são engraçadas, sofrem, trabalham, pegam ônibus lotado, pagam contas, pagam impostos, cozinham, tomam banho, têm bichos, ficam doentes, votam, vão ao cinema, visitam os pais no domingo, amam, leem, compram, viajam, tudo igual às pessoas héteros. Não parece que já passou da hora de não entender isso?