Mãe da Pina, dona do Liceu de Maquiagem, uma escola de beleza de São Paulo, apresentadora no Esquadrão da Moda, do SBT, embaixadora da Vult no Brasil e com mais de 1,2 milhão de seguidores no Instagram. Vanessa Rozan, 38 anos, encontrou tempo na agenda e esteve no Pompéia Fashion Weekend, em Porto Alegre, para um bate-papo sobre maquiagem.
Na ocasião, concedeu uma entrevista exclusiva à Donna, em que lembrou o início da carreira e revelou diversas facetas de sua personalidade.
– Tenho a maior preguiça de me maquiar, e eu falo isso para os meus alunos. O maquiador não necessariamente gosta de comprar maquiagem, ou de usar maquiagem. Ele tem que ter a verdadeira vontade de fazer aquilo pelo outro antes de fazer por si – afirma.
Com essa sinceridade, Vanessa fala sobre padrões de beleza, autoestima e, é claro, tendências de maquiagem.
Ela dá o spoiler: as cores quentes, como laranja e seus derivados, vão estar com tudo no verão 2020, combinada a outros tons, igualmente fortes:
– Dá para fazer uma paleta bem dinâmica, bem tropical.
Abaixo, leia a entrevista completa em que Vanessa reflete sobre a relação da maquiagem com a autoestima da mulher contemporânea.
Você tem uma uma formação acadêmica em diversas áreas que não têm necessariamente a ver com maquiagem. Em que momento da vida você começou a se interessar pelo assunto? Foi algo que sempre gostou?
Tive momentos de criança, de brincar com isso, mas de forma lúdica, assim como minha filha hoje brinca de se pintar. Não é nem maquiagem, é uma pintura, acho que toda criança passa por isso, independente do gênero. Então não foi tipo "nossa, descobri isso [o amor pela maquiagem] quando era criança". Não, acho que tive essa fase e depois lembro de não ter nenhum tipo de vaidade. Quase tipo menino, assim, sabe? Criada entre os primos, no interior.
De uma beleza indiscutível, minha mãe não era uma mulher que se arrumava. Então não tive isso da minha mãe, mas sim da minha vó, mãe dela, que é costureira. Hoje ela não costura mais, mas é muito vaidosa. Uma boa libriana, em que a beleza é uma coisa muito importante. Como eu passava as férias com os meus avós no interior, tive esse contato. Ela costurava, fazia muitos vestidos de noiva, e tinha muitas revistas de moldes, com manequins. Eu ficava ali, sentada com ela, olhando por horas aquelas revistas, porque era um mundo encantado. Ela tinha uma penteadeira, que ela tem até hoje, e as coisas dela que ninguém podia tocar, sabe? Tanto que quando eu abri o Liceu, o primeiro móvel que veio foi uma penteadeira.
Depois, quando eu fui para faculdade de Comunicação Social na ESPM, tinha algumas cadeiras que eu gostava mais. Fotografia, administração, semiótica , psicologia. Quando me formei, estava trabalhando em uma agência, naquele momento de "me formei, e agora?". Foi assim que eu fui parar no Senac, em busca de um curso de fotografia... Aí vi o curso técnico em cabelo. Fui com a curiosidade mais do que com a certeza. Fiz o curso, de oito meses, muito completo. Durante o curso, abriu outro de maquiagem à tarde. Pensei "já que estou nesse ano sabático, vivendo com os meus pais sem ter dinheiro e podendo fazer um curso, vou fazer outro". E foi lá que encontrei o primeiro maquiador em que eu me inspirei, que foi meu professor, o Beto França, e, na sequência, Duda (Molinos) tinha acabado de lançar o livro de maquiagem dele pelo Senac, e aí que me abriu um lugar de "nossa, que máximo".
E nessa época você se maquiava bastante? No dia a dia ou pra sair?
(Faz que não com a cabeça) Passava corretivo, quando muito, ou um batom quando minha mãe me falava "ah, passa um batom filha, por favor, para fazer uma foto". Era assim, juro! Tanto que eu tenho a maior preguiça de me maquiar, e eu falo isso para os meus alunos. O maquiador não necessariamente gosta de comprar maquiagem, ou de usar maquiagem. Ele tem que ter a verdadeira vontade de fazer aquilo pelo outro antes de fazer por si. Claro que têm dias que estou inspirada, falo "ai, hoje eu vou passar pigmento", mas não é uma coisa do dia a dia. Mas é importante ter uma aparência profissional em qualquer função que você vai exercer, ainda mais no mercado de beleza.
Voltando para o assunto sobre a faculdade, você acha que o que aprendeu lá te ajuda de alguma forma no trabalho hoje?
Acho que sim. Na época, lembro de pensar que a faculdade não serviu para nada. Eu me formei em 2001, alô! Faz tempo (risos). Hoje eu entendo que foi a base para abrir todas as portas que eu precisava. Quando eu penso que alguém pode fazer uma faculdade, tem esse privilégio, porque no Brasil isso é um privilégio, se ela não sabe o que escolher, que escolha algo bem amplo que possa abrir, mais para frente, outras carreiras. Como Administração e Comunicação. Eu vejo as pessoas mais plurais hoje do que enfiadas em uma única profissão, sabe?
É muito doloroso você ter que se transformar em alguém para você se sentir bem".
VANESSA ROZAN
maquiadora
Como você enxerga essa mudança da maquiagem, que antes era muito mais "montada", feita para esconder, e hoje é muito mais real, para revelar?
No final dos anos 1980, quando entraram as grandes marcas de maquiagem no Brasil e começaram a ter perfumarias vendendo essas marcas, as pessoas não tinham nenhum conhecimento de maquiagem. Era o conhecimento da revista, que vinha uma vez por mês, com dicas de maquiagem com aquela modelo xis e, se você não se parecesse com ela, o problema era seu. No dia a dia você se virava com aquilo que você tinha e/ou sabia. Com a entrada da internet, depois os celulares, e tudo que veio junto, as redes sociais, as pessoas têm acesso a muita informação. Então acho que a gente foi, como mercado, e como mulher, de zero a 80 mil.
Temos muita informação e ficamos um pouco perdidos. Essa confusão levou a maquiagem para um lugar de transformação. Que não é o que eu acredito. Porque eu acho que é muito doloroso você ter que se transformar em alguém para você se sentir bem. Eu já fui essa pessoa, estou falando de um lugar que eu vim.
Eu penso que meu trabalho, assim como o de outras maquiadoras e profissionais que são minhas amigas e com as quais eu me relaciono, é a maquiagem ser um lugar de liberdade de expressão, e menos uma regra. Entender de um assunto um pouco mais profundo por trás da maquiagem para falar de autoestima, de empoderamento, de liberdade, de padrão. Para a gente discutir outras coisas que são mais relevantes para a mulher. Eu acho que eu uso a maquiagem como um meio de abordar isso.
Você é uma pessoa que fala muito sobre amor próprio, de empoderamento da mulher. Você enxerga que a maquiagem pode ser uma forma de autocuidado e autoestima?
Vou perguntar para você. Quando alguém te maquia, e acerta na quantidade que você quer, você olha no espelho, e como você se sente? Você não se sente bem? A ideia é essa. Do mesmo jeito que você põe uma roupa na qual você se sente linda. Isso transparece. As pessoas te veem mais segura, não só para os outros, mas pra você também. É uma maneira de você se apropriar, do tipo "essa é a minha beleza, essa é a minha história, essa sou eu, eu estou aqui, presente". É uma forma de você se colocar no mundo. É um autocuidado, desde que não seja um aprisionamento. Quando isso vira um questionamento e te liberta, é maravilhoso. E a maquiagem serve para isso.
É um autocuidado, desde que não seja um aprisionamento. Quando isso vira um questionamento e te liberta, é maravilhoso. E a maquiagem serve para isso".
VANESSA ROZAN
Você, como maquiadora, vive muito dentro desse mundo da beleza, do padrão. Para você, o que é beleza?
Acho que tem mais a ver com a potência de se colocar no mundo e estar tipo "cheguei", do que com o fato de estar com a roupa ou a maquiagem certa ou o cabelo organizado. É mais com o jeito que você se coloca. Uma potência que está muito alinhada com a tranquilidade de ser. Tipo "eu não preciso provar nada para ninguém". Associam muito beleza com estética, ainda mais no caso das mulheres. Mas é muito mais pensar "está tudo certo, e se você tem algum problema com alguma coisa aqui, o problema é seu, vai você lidar com isso em algum outro lugar, na terapia".
E é difícil chegar nesse lugar, né?
É. E eu vou te falar o porquê. Nós somos levadas a, primeiro, construir uma identidade feminina. Assim como os meninos também têm que construir o lugar do "macho". Para o homem, enquanto é importante ser poderoso, rico, forte, para a mulher o valor é ser bonita. Somos ensinadas que é importante ser bonita para ser uma mulher desejada, aceita, para ter um valor na sociedade. Então você vai construindo isso. E aí, quando você chega nesse lugar, você percebe que dá muito trabalho. Porque isso machuca o jeito que você é, a sua relação com as outras mulheres, a sua relação com os seus filhos, e aí você começa a desconstruir. Você começa a ver todos esses papéis, tudo aquilo que te falaram na infância, na adolescência, nas revistas, nos blogs, e você pensa: "Isso aqui não é para mim". Então você começa a ser mais seletiva a respeito daquilo que você quer construir e daquilo que você não precisa mais.
Somos ensinadas que é importante ser bonita para ser uma mulher desejada, aceita, para ter um valor na sociedade".
VANESSA ROZAN
Antigamente, quando nós tínhamos só o impresso, a pessoa podia ser simetricamente linda e você nunca ia ouvir a voz dela. Mas hoje todo mundo fala, tem opinião, defende uma causa, tem Instagram... então não dá mais para ser só "linda". Por isso acho que a subjetividade está cada vez mais importante.
Pegando esse gancho sobre pluralidade, houve um "boom" de maquiadoras profissionais nos últimos tempos. Você acha que isso democratizou a forma com que as pessoas se maquiam?
Sim, democratizou, porque antes a gente tinha a profissão do maquiador mais nas mãos dos homens. Eles falavam sobre isso como sendo as pessoas mais importantes da cena, seja moda ou social. Então a gente tinha a beleza da mulher sendo ditada ou executada por um olhar masculino.
Por exemplo, a maquiagem da Pabllo Vittar é linda, mas a Pabllo não é uma mulher. Ela precisa se transformar na Pabllo. A gente já nasceu mulher, não precisamos nos transformar em nada. Esse processo a gente começou a discutir quando mais maquiadoras mulheres entraram na cena e trouxeram suas opiniões.
Tem um post no seu Instagram em que é um bordado que diz "exaustas". Estamos vendo uma geração de mulheres que fazem tudo. Você, por exemplo, é mãe, empresária, maquiadora, apresentadora, estudante. Como lidar com todas essas coisas ao mesmo tempo?
Esse papel de mulher maravilha, que a gente estava orgulhosa de ser, de "eu dou conta de tudo", "mulheres guerreiras", ficou cafona. A gente não tem que dar conta de tudo. E eu adoro usar as minhas redes sociais justamente para falar "ó, não aconteceu, estamos exaustas, vamos falar sobre isso?". Não dá para performar em tudo. Nas redes sociais, parece que todo mundo está malhado, magro, todo mundo está viajando. Parece que está todo mundo saindo, todo mundo na festa certa, com a maquiagem linda, e eu aqui, com a criança chorando em casa. Aí você pensa "eu não estou fazendo nada disso, eu sou um perdedor".
Eu vi um documentário chamado O Silêncio dos Homens. Tem uma fala assim: "você é pai, postou foto no Instagram, mas vem cá, você sabe quantas calcinhas têm na gaveta da sua filha?". Porque a carga mental que a mulher carrega de pensar no lanche da escola, na lição de casa, na casa, no cachorro, e mais performar em tudo, é pesada demais. Mais do que executar a tarefa em si.
Por fim, o que você aposta como as três principais tendências de maquiagem para o verão 2020?
Certamente a questão da pele. Já faz bastante tempo que estamos falando dessa pele transparente, viçosa, dessa pele que você vê. Teve até a febre das sardas, por exemplo. É com certeza uma coisa que vai se repetir no verão, mais lustrosa, mais hidratada. Estamos vendo esse viço super presente, o skincare fundindo-se com maquiagem. Bases que têm tantos ingredientes hidratantes quanto um hidrante e hidratantes que têm pigmentos de base. O skincare torna-se um passo de maquiagem importantíssimo.
Tem um avanço tecnológico muito impressionante acontecendo na área da maquiagem hoje".
VANESSA ROZAN
De cor, acredito que os laranjas que vão desde os mais abertos até os mais fechados vão acontecer, tanto no olho quanto nos lábios. Coral, laranja-avermelhado, laranja-rosado, também. Essas cores vão vir fortes, junto com o turquesa. Dá para fazer uma paleta bem dinâmica, bem tropical.
E eu vejo muitas tendências para o lado da tecnologia. Produtos cada vez mais tecnológicos e inteligentes. Maquiagem com complexo anti-poluição, por exemplo. Tem um avanço tecnológico muito impressionante acontecendo na área da maquiagem hoje. Usar extratos vegetais de maneira inteligente, aliada a laboratórios, universidades, para trazer o melhor daquele produto, com uma tecnologia incrível, que trata a sua pele enquanto você está usando. Já que é algo que você passa no rosto, e todo dia, por que não aliar uma coisa a outra?