*Texto por Flavia Mu, jornalista
Restaurante lotado. O último prato é servido. Os clientes deixam o casarão vermelho, no bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Depois de uma noite exaustiva (e impecável) de trabalho, Roberta Sudbrack só quer chegar em casa para comer qualquer coisa quentinha ou a infalível combinação de misto quente e achocolatado. Costumes assim, simples e cotidianos, inspiram a gaúcha, que comanda o restaurante que leva seu nome na capital carioca, e que, em agosto, recebeu o título de melhor chef mulher da América Latina pelo júri do prêmio Veuve Clicquot, que faz parte do The World's 50 Best Restaurants, premiação da revista britânica Restaurant.
O interesse de Roberta Sudbrack está em transformar a simplicidade das cozinheiras de forno e fogão em alta gastronomia, relendo hábitos e receitas com sofisticação, valorizando ingredientes como chuchu, jaca e maxixe.
- E há muito afeto envolvido nas memórias e nas histórias das pessoas e nas receitas das famílias. É isso que faz uma "cozinha brasileira moderna" e que mostra identidade. Detesto a expressão "nova cozinha brasileira". O que fazemos hoje é uma continuidade. Estamos escrevendo novas páginas, mas não podemos desconectar das nossas raízes e das nossas tradições. A cozinha brasileira é rica em costumes. Isso diz muito da nossa cultura - comenta. - É por isso que digo: seria uma completa falta de bom senso entender o prêmio de melhor chef como algo pessoal. É o reconhecimento desta construção da gastronomia brasileira que é feita por chefs renomados e também por cozinheiros desconhecidos, aqueles que fazem um molho ou uma receita especial ou aquelas cozinheiras que mexem tachos enormes com uma habilidade admirável. Não se pode pensar numa 'nova cozinha'; isso é trabalho de anos e anos - reafirma.
Tão importante quanto o prêmio, é a comemoração dos 20 anos de carreira e dos 10 anos do seu restaurante.
- Tive grandes aprendizados. Um deles é que o sucesso de um restaurante depende de inúmeros fatores, e todos esses fatores dependem de seres humanos. Se há um certo cansaço é pela filosofia do "quase perfeito": já acordo querendo fazer melhor - reconhece.
A menina que empurrava a própria carroça de cachorro-quente pelas ruas de Brasília tornou-se chef de cozinha do Palácio da Alvorada durante o mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso e serviu picadinho e outros pratos "de casa" para as mais importantes autoridades do mundo. Roberta, hoje, é um dos principais nomes da cozinha mundial.
- E quem escuta a minha história pensa que é um conto de fadas, mas, definitivamente, não foi assim. Passei por momentos difíceis e doloridos. Poderia tentar esquecer, mas não quero. É uma fase marcante na minha vida -, comenta ao falar do SudDog, versão mais elaborada daquele cachorro-quente dos tempos da carrocinha, que sempre fez parte do cardápio do restaurante e, hoje, é a estrela do food truck da chef. - A comida de rua é uma outra maneira de expressão. Posso interagir de um jeito mais eufórico. Adoro aquele calor que faz dentro do truck. E é emocionante ver que as pessoas têm vontade de conhecer essa receita que, na verdade, tem muito a ver com a minha história - revela.
O SudDog traz, além da história de Roberta Sudbrack, a essência de sua cozinha: os melhores ingredientes aproveitados da melhor maneira. E, desta pesquisa, nasceu o novo projeto da chef: o Da Roberta, bar de comida de rua que deve inaugurar nos próximos meses na capital carioca.
- É um sonho! Estou me divertindo neste trabalho. É uma parte de mim que estava guardada. Uma versão mais acessível do que fazemos e que deixa as pessoas felizes. Qualidade é uma crença. O que vi é que, na Europa, a comida de rua está diretamente ligada aos produtores rurais e à sustentabilidade. Nossa equipe esteve envolvida, do início ao fim, na seleção e na elaboração de todos os ingredientes, especialmente nas linguiças artesanais. É um novo desafio - comemora.