Uma das partes mais importantes de uma cultura é a sua gastronomia. Neste quesito, Porto Alegre é uma cidade plural, com churrascarias tradicionais, bares com mais de oito décadas e restaurantes comandados por grandes chefs. Nossa história gastronômica começa entre as portas do Mercado Público, mais precisamente na mesa de número um do Gambrinus, regada a chope gelado e bolinho de bacalhau.
O prédio no Centro Histórico foi o primeiro lugar a abrigar restaurantes na Capital. É lá que está o nosso trio centenário, composto pela Banca 40, pelo Naval e pelo Gambrinus — restaurante mais antigo não só de Porto Alegre, mas de todo o Rio Grande do Sul. O proprietário João Melo afirma que os pratos que serve refletem a união dos povos que formaram o município, preservando um pouco de cada cultura.
Quem já foi ao Gambrinus deve lembrar do Zezinho, garçom que recebe os clientes de braços abertos há mais de quatro décadas. Antes disso, já havia trabalhado em outras bancas do Mercado. Não há o que ele não saiba sobre os estabelecimentos dali. Viu o Gambrinus e o seu vizinho, Naval, passarem de simples botecos a restaurantes renomados, onde artistas e autoridades batiam ponto. Ambos os salões são decorados com as cadeiras onde sentavam clientes ilustres, como os cantores Lupicínio Rodrigues e Francisco Alves.
Quem almoça em um desses dois clássicos, pode saborear a sobremesa em outro vizinho: a Banca 40. Logo ali em frente, a sorveteria surgiu em 1927, quando Manoel Martins comprou o espaço de um português. Inicialmente, era uma fruteira, e o sorvete só entrou em cena para acompanhar a salada de frutas.
- Quem vem ao Mercado busca os clássicos. No nosso caso, salada de frutas com sorvete, Banana Split, Bomba Royal... Volta e meia, inserimos novidades no cardápio para acompanhar as outras sorveterias, mas não faz sucesso com o nosso público - comenta João Bonnel Júnior, gerente da operação.
O trio centenário entrega, além de muita qualidade, inúmeras memórias afetivas. Assim como a primeira churrascaria do Brasil, a Santo Antônio, que fica a cerca de 4km dali, na Rua Doutor Timóteo. Jorge Aita é a terceira geração à frente do negócio, fundado por seus avós há 87 anos. Eles escolheram o ponto almejando atrair frequentadores das grandes empresas da região, principalmente da extinta fábrica da Souza Cruz. Outro motivo é que o time do Grêmio treinava no Parcão e, como gremistas de carteirinha, queriam os jogadores como clientes.
- Minha avó era uma líder nata, uma italiana forte, que se uniu com um grande assador. Nos 100 anos da Revolução Farroupilha, meu avô foi convidado para fazer um churrasco na Redenção. O sucesso foi tanto que o restaurante Santo Antônio foi transformado em churrascaria - conta Aita.
O lugar é um ponto clássico para o almoço de domingo, dia em que as mesas são disputadas. Os famosos filés servem até três pessoas e são quase uma entidade porto-alegrense. Não há quem já tenha experimentado e não comente. O também tradicional pratinho de doces encerra a refeição, fazendo a alegria das crianças que brincam no parquinho, algo que passa de geração em geração. Aita afirma que, como Porto Alegre possui basicamente um turismo de passagem (quando pessoas estão indo para a Serra), o segredo é entregar com qualidade o que os moradores mais gostam. Para sua sorte, churrasco está no topo da lista.
A influência italiana no Rio Grande do Sul está personalizada no Copacabana. Desde 1939, o filé à parmegiana e a polentinha frita embalam grandes encontros de família. O nosso Copa, tão querido quanto o do Rio para quem é daqui, já viveu muitas fases. Hoje serve suas delícias em nossa casa, por delivery.
- O Copacabana apresentou sua maneira de cozinhar, temperar e agregar em volta de uma boa mesa. Cresceu, sofreu, modificou, festejou tudo junto com a cidade de Porto Alegre - afirma Melissa Giacobo, sócia do restaurante.
Ela garante que os colaboradores estão sedentos por retomar o atendimento ao público, mas que isso ainda não é viável.
Assim como os restaurantes já citados, outros clássicos como Tuim, Alfredo, Komka, Pampulhinha e Barranco guardam um pouco da nossa história em seus sabores. Infelizmente, para alguns os áureos tempos ficaram para trás e as dificuldades bateram à porta.
Por isso, fechamos com um apelo: que não deixemos morrer os clássicos. A nossa cidade é muito mais alegre com o bolinho de bacalhau do Gambrinus, parmegiana do Copacabana, Banana Split da Banca 40. A eles, só nos resta agradecer por tantos momentos bons em volta da mesa.