Da culinária diária à alta gastronomia, o azeite de oliva é um ingrediente bastante apreciado e utilizado na hora de cozinhar. Nos armários de sua casa, você certamente tem uma latinha ou garrafinha do produto para temperar saladas, peixes, refogar o macarrão ou preparar outras receitas. E, assim como outras pessoas, quando você foi ao mercado comprá-lo, provavelmente ficou em dúvida sobre qual embalagem colocar no carrinho: quem caminha entres as gôndolas encontra rótulos dos tipos comum, virgem e extra virgem.
Todos são “sucos da azeitona”, o fruto da oliveira, uma espécie nativa da região do Líbano, da Síria e da Turquia. O degustador profissional pelaOrganizzazione Nazionale Assaggiatori Olio di Oliva Paulo Freitas explica que a propagação da árvore pelos países banhados pelo Mediterrâneo, onde são encontradas em abundância atualmente, ocorreu na Antiguidade. Foi nas ilhas da Grécia, há cerca de cinco mil anos, que ocorreu a domesticação da planta pelo homem, que passou a explorá-la para a extração do azeite.
— Seu primeiro uso foi na iluminação, como uma fonte vegetal e de mais fácil obtenção em comparação com os óleos de origem animal. Do ponto de vista gastronômico, os primórdios foram mais tardios, mas também para substituir a gordura animal e principalmente para fazer caldos — conta Freitas.
As oliveiras vieram parar na América no século XV, graças aos espanhóis e suas caravelas. Foram plantadas inicialmente no México, na região onde hoje está o estado norte-americano da Califórnia. Os colonizadores foram então descendo o continente e iniciaram o cultivo em microrregiões do Peru, na Argentina e no Uruguai.
— Os jesuítas trouxeram a variedade para o Brasil numa época em que a colônia estava mais desenvolvida e havia o comércio de importação de azeite de Portugal. As oliveiras foram cultivadas aqui, mas um decreto real solicitou a retirada de todas elas pelo interesse econômico _ comenta o pesquisador, que também ressalta que isso espalhou a ideia de que o país não tinha solo próprio para o cultivo.
PRODUÇÃO BRASILEIRA: PEQUENA, MAS DE QUALIDADE
A extração nacional ainda é pequena, e o mercado se estrutura sobretudo em produtos estrangeiros. No primeiro bimestre de 2018, foram importadas 12,4 mil toneladas, e Portugal foi o maior fornecedor, com 90% do total. É uma questão cultural e histórica: o plantio de oliveiras no Brasil teve início somente na década de 1930, quando imigrantes trouxeram a variedade da planta ao Rio Grande do Sul. O cultivo ocorreu de forma artesanal e sem incentivos governamentais por muito tempo, o que influenciou seu desenvolvimento tardio. Foi somente nos últimos 11 anos, com a implementação de novas tecnologias e o maior interesse e pesquisa na área, que agricultores começaram a produzir azeite.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), atualmente, já são mais de 200 produtores espalhados pelo país, e a extração do oléo deve chegar a 150 mil litros até o final de 2018, ante os 105 mil de 2017. Neste cenário, o Rio Grande do Sul tem destaque: do total produzido no ano passado, 55 mil litros saíram de frutos plantados em solo gaúcho.
— A região da Campanha do Estado, de Bagé para baixo, até a fronteira com o Uruguai, está localizada na zona latitudinal entre 30º e 45º, que tem condições climáticas e de solo adequadas para o cultivo de oliveiras no mundo — explica Paulo Freitas, que também evidencia a serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e São Paulo, como polo de grande importância. Em 2018, são celebrados dez anos da primeira extração de azeite extravirgem nacional, realizada em Maria da Fé, município mineiro.
Apesar da extração pouco volumosa no comparativo global, os produtos daqui têm se destacado no cenário internacional. No último mês de maio, rótulos brasileiros foram premiados no EVO International Olive Oil Contest, a maior premiação da Itália. O azeite Picual da marca paulsita Orfeu foi reconhecido como melhor da América do Sul e também do hemisfério, enquanto os gaúchos Prosperato Exclusivo Picual (Caçapava do Sul) e Olivas Costa Doce (Dom Feliciano) vencerem nas categorias monovarietal e blend, respectivamente.
— São resultados excelentes. Mostra que devemos começar a valorizar o que é daqui, porque muitas vezes os produtos de outros lugares chegam em condições que não as mesmas de quando eles foram extraídos, mas, por serem de fora, têm maior reconhecimento — comenta Maria Beatriz Dal Pont, a primeira somellière de azeites no Rio Grande do Sul, com formação pelo Instituto per la Ricerca e la Valorizzazione delle Eccellenze Agroalimentari International Extravirgin, na Itália.
O anuário do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) indica que hoje são cultivados 7,5 mil hectares no Brasil, mas estima-se que serão 25 mil até o ano de 2020. Conforme o especialista em azeites e professor de gastronomia do SENAC do Rio de Janeiro, Marcelo Scofano, o potencial é realmente muito grande, mas alguns desafios devem ser superados para que o desenvolvimento ocorra.
— O principal é a continuidade da pesquisa para saber quais são as variedades de azeitona que se adaptam ao nosso clima e se desenvolvem melhor. Há que se especificar muito, porque colocamos a oliveira em uma condição climática distinta da sua natural, apesar de haver semelhanças. Também temos poucas unidades extratoras, o que torna o daqui azeite mais caro que muitos importados. Como têm pouco conhecimento sobre o assuntos, é pelo preço que os brasileiros compram — analisa.
DA ÁRVORE À SUA MESA
As oliveiras começam a dar frutos entre quatro e seis anos após a sua plantação, atingindo a maturidade para uma produção mais constante aos 20. A colheita ocorre uma vez por ano; no Brasil, o período é de janeiro até o final de março. É então que começa a extração do suco das azeitonas, somente por processos físicos e mecânicos, diferentemente de outros óleos como o de girassol, soja ou milho, que necessitam de uma etapa química.
É das azeitonas usadas que se originam a cor e a consistência do produto, que pode ser feito de uma única variedade ou de um blending, como os vinhos de corte (técnica de origem francesa também conhecida como assamblage). Existem mais de 1.200 espécies no mundo, mas, no Brasil, são cultivadas menos de 30.
* Antigamente, essas duas etapas não existiam. Elas consistiam uma única etapa chamada de prensagam, na qual eram feitas pilhas com camadas alternadas de tapetes de capacho e da pasta obtida após a moagem. Essa massa era prensada, e o azeite (parte líquida) escorria pelos lado, enquanto caroço e polpa (parte sólida), era eram absorvidas. Esse processo era repetido várias vezes para se obter o maior volume possível de óleo. É daí que vem a expressão “primeira prensagem” , usada no passado em alguns produtos, que eram considerados de maior qualidade.
TIPOS DE AZEITES
Voltemos às gôndolas do mercado e sua oferta de azeites de oliva comum, virgem e extra virgem. Afinal, o que os diferencia? De acordo com Maria Beatriz dal Pont, os diferentes tipos dependem do processo de extração do óleo e sobretudo, da qualidade da azeitona.
— Esse é um fator fundamental, os frutos precisam estar muito sadios, por isso o tempo entre a colheita e o processamento deve ser curto. Se você colhe frutos muito maduros ou demora a iniciar a extração por qualquer motivo que seja, por conter água, as azeitonas começam a fermentar e ganham componentes indesejáveis em termos de sabor — elucida a azeitóloga.
Além disso, a fermentação altera um dos parâmetros utilizados pelo Mapa para classificar os produtos, a acidez. Ela não diz respeito não ao sabor, mas à quantidade de ácido graxos no óleo, que são medidos em termos percentuais.
Internacionalmente, há ainda outro tipo. Chamado de óleo do bagaço, de oruja ou de sansa, conforme a localização, é feito a partir da massa que sai da etapa da centrifugação. Ele não é produzido no Brasil porque o volume de azeite extraído por aqui ainda é pequeno. Em países como Espanha, Itália e Grécia, onde a produção é muito grande, tem-se investido para tirar os 2% de óleo que esse bagaço guarda para ter maior aproveitamento.
Marcelo Scofano conta que os cuidados no armazenamento devem ser os mesmos para todos os tipos digeríves, a fim de que o produto preserve suas propriedades naturais.
— Deve estar em um local fresco, com pouca luz, porque sua incidência catalisa a oxidação. Tirar e colocar uma garrafa aberta na geladeira não é muito vantajoso. Uma vez aberta, pode ser consumida em até 60 dias para que se possa usufruir todos os benefícios que o azeite tem — explica.
FRAUDES NO SETOR
Em novembro de 2017, o Mapa retirou do mercado 800 mil litros de azeite impróprios para o consumo. Eles eram oriundos de 64 marcas e 84 empresas. Durante fiscalizações, foram encontrados azeites do tipo lampante e outros óleos, como de soja, na composição dos produtos, o que não é permitido pela legislação. Ainda, em 311 amostras coletadas em todo o Brasil, foram achadas falhas de informação nos rótulos.
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e o Distrito Federal foram os estados onde mais foram registradas fraudes. Lá, está o maior número de empresas que envazam o produto. Praticamente 100% das marcas que importam a granel e envasam no Brasil apresentaram problemas, enquanto que, nas marcas envasilhadas no país de origem, são mínimos os índices de não conformidade.
No livro "Extravirgindade - o Sublime e Escandaloso Mundo do Azeite de Oliva", o jornalista norte-americano Tom Mueller mostra como as fraudes estão inundando o mercado com azeites "falsos", enquanto as autoridades fecham os olhos. Em uma narrativa rica e detalhada, o repórter reconta a história de crimes na indústria alimentícia, que vem de tempos remotos, trazendo acusações às leis atuais de proteção contra alimentos adulterados. É por aí, secundo o autor, que inicia a solução do problema.
— Em primeiro lugar, as autoridades alimentares nacionais podem levar a sério o problema da fraude do azeite de oliva e outras fraudes alimentares, retirando amostras aleatórias de petróleo das prateleiras dos supermercados e testando-as em laboratórios especializados e independentes quanto à sua qualidade e autenticidade. Em segundo lugar, os consumidores precisam começar a entender que o azeite de oliva extravirgem é um produto alimentício premium, tão complexo e gratificante quanto o vinho, e começar a exigir óleo de qualidade de todos que o vendem – analisa.
Mueller ainda argumenta que a mercantilização e o declínio da qualidade do azeite em todo o mundo - tratando um produto alimentício premium como uma gordura industrial anônima - e a falta de supervisão séria dos mercados são desafios a serem superados para o pleno desenvolvimento do setor.
— Sem mencionar as dificuldades cada vez maiores que produtores honestos de azeite de alta qualidade têm ao competir em um mercado inundado por falsos extravirgens. Nesse cenário tóxico, muitos dos maiores produtores estão à beira da falência - finaliza.
* Conteúdo produzido por Eric Raupp