Falávamos esses dias aqui na redação sobre a rotina. Sobre como o tempo nos atropela e a grave consequência que isso traz, que é nos obrigar a abrir mão de coisas que nos dão prazer em nome de outras bem chatas, porém necessárias. E se o cara não dá um passo atrás, acaba sendo engolido.
Me refiro ao prazer de escrever, que muito mais do que juntar letras que formam palavras que formam frases que formam textos, significa manter o hábito de jantar fora em busca de lugares ainda não visitados, na tentativa de se surpreender com sabores desconhecidos e em seguida relatá-los.
Ao invés de esperar o ano virar, defini ainda no final de 2014 uma grande resolução, que seria minha volta às incursões gastronômicas e aos meus relatos sobre elas, com muito mais frequência. Senão, quando nego se dá conta, por perder o hábito e não ter mais esse compromisso, acaba sempre indo nos mesmos lugares de sempre. Not good.
A vida é muito mais divertida assim, quando incluímos no dia a dia elementos surpresa, que nos tiram da zona de conforto. Meu terapeuta que costuma dizer isso: a vida começa onde termina a zona de conforto. Tudo aquilo fora do ninho se chama vida.
Isso foi o que bastou para, numa noite onde poderíamos tranquilamente deixar que a rotina nos abocanhasse, decidirmos dar o primeiro passo em direção ao lado de fora da zona da conforto, a chamada "vida". E o destino foi o Los Reyes, lugar que há muito me chamava atenção mas que por algum motivo me escapava.
Acredito que o ponto crucial para tornar-se nosso destino da noite foi um papo que tivemos sobre o Los Reyes dias antes, quando ficamos sabendo da filosofia de fazer tudo na brasa. Cozinha no fogo me encanta, tempero melhor não há. Foi o suficiente.
Minha relação com vinhos é bem simples de compreender. Meu paladar é bem mais dos brancos que dos tintos, independente da época do ano ou do cardápio. Raramente bebo tinto, só quando tá aquele frio polar mesmo. Dentre as opções de brancos, fomos num portuga delicioso.
Às entradas. Para a Re, um pão tostado na grelha à lenha com finas fatias de jamón ibérico, ovo poché e saladinha fresca. Um grandessíssimo gol de placa.
Queria muito ter pedido o carré patagônico na parrilla (sim, estava como "entrada"), mas como pediria carne em seguida, resolvi ir de salada. Porém, salada ao meu estilo, que foi legumes grelhados na parrilla. Tecnicamente legume é salada. Ou estou errado? Aí está a minha, portanto!
De principal, a Re foi no bacalhau assado na brasa com composição de verdes salteados na frigideira de ferro e mais um ovo poché cozido no ponto perfeito. Belas escolhas, a Re de fato tem muito bom gosto.
Fui focado em pedir o tal polvo a la plancha, juro. Dizem que é um escândalo de tão bom. Mas quando vi a carta de cortes uruguaios deles, me babei todo porque fiquei imaginando um ojo de bife no ponto perfeito (que pra mim é "vuelta y vuelta") com chimichurri, daí me fraquejou as pernas e quando vi aí estava ele. Fiz muito bem.
A vantagem é que as carnes vêm com um acompanhamento à escolha do freguês. No meu caso, senti que gnocchis tostados na manteiga de sálvia com rúculas frescas e lascas de parmesão uruguaio seria aquilo que chamamos de casamento perfeito. Né?
Todo mundo tá careca de saber que o compartimento do salgado é independente em relação ao compartimento do doce. Por essas e outras que, por mais satisfeitos que estivéssemos, um docinho cairia como uma luva. Nossa escolha foi o Minotauro Apaixonado, uma ambrosia com laranja flambada ao Cointreau, sorvete de fava de baunilha, geleia de pimenta e um copinho cheio de crème anglaise. Arrebatador!
Viu como sair da zona de conforto tem suas vantagens? Rendeu uma experiência nova, um texto novo e uma noite diferente em nossas vidas, ao custo de 180 reais por pessoa. Pena que essa minha resolução tem um ponto negativo, que é a demora para voltar em lugares já visitados. O jeito então é ir atrás de outros Los Reyes por aí.
Los Reyes
Rua Auxiliadora, 248 - Bairro Auxiliadora
Porto Alegre/RS
Fone: (51) 3233.2106
www.restaurantelosreyes.com
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