Como é possível criar algo novo em um mundo onde parece que tudo já foi inventado? Nesse caso, talvez seja melhor olhar para trás e retornar às origens, de forma que se reaprenda técnicas e se renove antigas tradições. Esse é o pensamento de Marcelo Pereira, sócio-proprietário do Solos Bar e Restaurante, aberto há sete meses no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre. O estabelecimento, que já tem previsão de abrir uma segunda loja no BarraShoppingSul ainda neste ano, se propõe a reconectar as pessoas e o Brasil à sua latinidade, com produtos e insumos locais.
Há 10 anos frequentando o mercado de bares com diferentes funções, Marcelo passou a se interessar de fato pela chamada mixologia em meados de 2015, quando voltou de um trabalho de oito meses em um navio, onde conheceu 16 países diferentes. A intenção era realmente cravar suas raízes na Capital e, dessa forma, passou a se especializar na área de coquetéis. Hoje, o antigo garçom se tornou chefe criativo da coquetelaria, desenvolvendo diferentes releituras de drinks clássicos e criando novas combinações de ingredientes.
— O processo de criação vem a partir da construção de muita memória de sabores diferentes, de drinks diferentes e, ao mesmo tempo, conseguir brincar com esses gostos. A gente vai criando essa biblioteca sensorial e brincando com isso — explica.
Se pararmos para estudar a história da mistura de bebidas, podemos ver que ela é datada desde a Grécia Antiga, quando havia a mistura de vinhos com ervas medicinais. Apesar disso, como explica Marcelo, os primeiros coquetéis alcoólicos passaram a ser preparados a partir de 1850, dando origem aos milhares que conhecemos hoje. Por isso, com tanta história acumulada, seria difícil criar algo novo, sem usar outras de referência.
— Aquilo que a gente for criar, pode ter muita referência de clássicos, no primeiro momento. Mas, a partir do momento em que se usa bebidas 100% nossas, ou uma grande parte de bebidas brasileiras, acabamos criando um sabor novo — aponta o mixologista.
E é a partir desses detalhes de criação, voltados a um cuidado e uma atenção especial, que Marcelo enxerga o mercado de drinks e coquetéis em uma constante expansão, não só no Exterior, mas também no Brasil e, principalmente, em Porto Alegre.
CAMINHANDO CONTRA O VENTO
Nos últimos anos, diversos bares, especializados em drinks, têm aberto na Capital, oferecendo releituras, mas não abrindo mão dos clássicos. Para Marcelo, isso mostra como muitas pessoas têm buscado se especializar na área, mas também como os clientes têm procurado lugares onde o fator humano acompanha o consumo de alimentos e bebidas.
— Eu vejo que se dá mais atenção aos detalhes e se dá mais atenção ao processo. Porque não adianta a gente usar o ingrediente, uma técnica ancestral, fazer algo muito diferente e a pessoa não estar conectada com isso — explica.
Ainda assim, apesar da expansão visível da área, Marcelo aponta uma tendência de lógica reversa para o consumo de bebidas alcoólicas: o consumo consciente. Para ele, essa prática voltada para a conscientização já tem sido adotada em diferentes regiões da Europa, por exemplo, e possivelmente será importada para o Brasil nos próximos anos. Seria como um “beba menos e beba melhor”, com ingredientes melhores, produtos melhores e drinks melhores.
— É a ideia de ter uma experiência com a própria bebida de uma maneira tranquila. É o que a gente prega aqui dentro do Solos — relata o proprietário.
Não à toa, Marcelo conta que, hoje, sua função dentro do bar já não é mais tanto a de preparar drinks e coquetéis, mas sim de fazer recomendações de harmonizações para os clientes, de maneira que possam fazer um consumo consciente e desfrutar e explorar novos sabores.
Mas, afinal, como criar algo do zero em um mundo onde tudo já pode ter sido inventado? O potencial de criação, aponta Marcelo, pode estar justamente no processo de entender nossas raízes e explorar diferentes métodos e procedimentos ancestrais que foram esquecidos ou abandonados ao longo dos anos.
Para o mixologista, o futuro está nas reconexões com as técnicas que não são tão conhecidas ainda.
— Não adianta a gente importar coisas sem pensar qual é o nosso tipo de consumo por aqui. É preciso trazer isso para o público de uma maneira que seja legível e compreender conforme isso vai acontecendo — acredita.
Até lá, não há dúvidas que um dos sócios do Solos já terá explorado ainda mais sabores a serem apresentados no bar. Em vista de abrir a segunda loja, Marcelo ressalta a importância de ter, ao seu lado, pessoas com diferentes vivências dentro do mundo da coqueteleira. Desta forma, quanto mais envolvidos no processo de criação, mais opiniões e divergências de pensamentos podem dar forma àquele que se tornará um novo drink no cardápio.
— Depois desse tempo trabalhando, ainda tenho muita vontade de criar coisas novas, sempre acho que tem coisas novas a serem feitas. A minha ideia com duas equipes de bar consolidadas é essa. Eu enxergo isso como um potencial criativo duplicado — finaliza.