Batalhadora, mãe solo, mulher preta de origem humilde, Cida, personagem de Juliana Alves em Volta por Cima, é a personificação da mulher brasileira. Em um país com mais da metade dos lares chefiados por mulheres, personagens como esta são fundamentais para que o público se identifique e se inspire. Com 20 anos de carreira, Juliana celebra o atual momento da teledramaturgia, com maior representatividade e oportunidades, mas ressalta que ainda há um caminho longo pela frente. Confira o bate-papo com a atriz.
Nestes 20 anos de carreira, houve uma mudança expressiva na representatividade negra na TV. Como você avalia o atual momento, com as novelas mostrando a cara do Brasil?
Eu sou de uma geração de atores e atrizes que viveu muito na pele muitas dificuldades, e ao mesmo tempo, muitas heranças de lutas anteriores às nossas. Ao mesmo tempo em que tínhamos oportunidade, éramos muito poucos e com oportunidades extremamente restritas. Então, nesses 20 anos, o que eu observo é um crescimento bem lento das oportunidades e uma mudança lenta, mas que hoje resulta em uma sensação de ter um pouco mais de representatividade, e a gente percebe a necessidade de um abastecimento de pessoas pretas na parte de produção, criação, e uma necessidade cada vez maior de que as narrativas sejam diferentes do que eram antigamente, uma questão de reparação e de atender a um público que já está mais consciente e exigente no que diz respeito à questão racial. Vejo mais pessoas novas chegando, com a abertura de oportunidades, e ao mesmo tempo a sensação de que temos muito a realizar. Hoje a gente tem uma voz mais ativa e recebe uma escuta diferenciada em relação há 20 anos. Hoje eu sinto que recebo um respeito diferente, não só pelos meus anos de carreira, mas com a relação das pessoas à especificidade dos artistas pretos também.
Cida é uma mulher que representa boa parte da população brasileira (mãe solo, batalhadora e de origem humilde). Como tem sido a repercussão com o público? Já consegue perceber o carinho e a identificação dos telespectadores?
Quando eu soube como a Cida ia ser, já gostei dela de cara. No trabalho de pesquisa com pessoas reais, fiquei bastante empolgada e, para minha alegria, boa parte do público com que eu tenho contato teve essa sensação parecida com a minha, de simpatizar com ela, de ter um carinho, um afeto grande por ela. É uma figura muito familiar, muito gostosa. Todo mundo conhece alguma Cida ou quer ter alguma Cida por perto. Fiquei muito feliz e estou trabalhando com esse retorno do público, esse é o grande barato de se fazer uma novela. Isso me traz uma responsabilidade muito grande, de honrar essas pessoas, e essa torcida pra Cida estar cada vez mais presente, com cenas bacanas. Estou vivendo um momento de realizações na minha profissão, e a Cida vem coroar esse momento.
Como foi a preparação para viver uma mulher motorista de ônibus? Conversou com quem sente na pele o preconceito de encarar todo dia um trabalho tão identificado com o gênero masculino?
O processo de preparação começou desde que eu soube que iria fazer uma motorista de ônibus, já fiquei observando muito e relembrando minha vivência como passageira e minhas histórias dentro de ônibus. Depois, a gente teve um trabalho de conhecer melhor as questões da personagem, quais eram os conflitos, os desejos, as coisas que são prioridade na vida dela. Eu fiz um trabalho de pesquisa individual, buscando personagens da vida real, trocando com pessoas, pesquisando bastante. A gente teve uns workshops nas empresas de ônibus, pra entender os pontos de vista dos que trabalham ali, aprendemos as questões práticas do trabalho em si, de como funciona a máquina, o ônibus. São muitas histórias. O que ficou mais forte pra mim é a tamanha responsabilidade que os motoristas têm, que a gente nem consegue mensurar, o quanto é importante esse trabalho e com quantas questões eles têm que lidar. Podem ser situações estressantes e bem delicadas, mas ao mesmo tempo, é um trabalho que eu vejo as pessoas muito gratas e felizes, honradas. A busca continua, durante a novela há várias questões que atravessam as personagens. A gente continua pesquisando bastante, buscando cada vez mais conhecimento para representar essas personagens.
Sua personagem tenta driblar a rotina de profissional, mãe e mulher. Como é para você “equilibrar todos os pratinhos”?
É a realidade que ela vive, de equilibrar os pratinhos, é a realidade de boa parte da população brasileira. A gente sabe o percentual enorme de mulheres que são chefes de família e precisam estar ali, sustentando aquela estrutura e, ao mesmo tempo, se cuidando. É muita responsabilidade ter que gerenciar uma casa com maternidade, e todas as delicadezas e sutilezas da maternidade. É um processo que, para a Cida, deve ser exaustivo, (assim como é) para mim e para tantas outras mulheres que, muitas vezes, como é o caso da Cida, enfrentam uma condição financeira que requer muito cuidado, porque as coisas estão fazendo ela ter restrições. É uma luta, porque tem a carga horária, hora extra que possibilite a ela fazer tudo. É uma responsabilidade grande falar de um ponto importante e precioso para asq pessoas.
O que a Juliana de agora diria para aquela jovem recém-saída do Big Brother Brasil 3, ainda engatinhando na carreira de atriz?
Eu diria pra ela: “Calma, confia no seu potencial, vai no seu tempo, acredite que isso que você é, que pode parecer um pouco assustador no ambiente onde você está, é isso que vai te levar longe”.https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/amanda-souza/noticia/2024/11/com-a-estreia-de-garota-do-momento-as-tres-principais-novelas-da-globo-serao-protagonizadas-por-mulheres-pretas-simultaneamente-cm2z2oxqx01de013pp1hcnfk1.html