Independentemente do que acontecer no último episódio da primeira temporada de The Last of Us, que irá ao ar neste domingo (12), às 22h pela HBO e HBO Max, uma coisa é certa: a série é a melhor adaptação já feita de um game. Ou pelo menos a mais bem-sucedida.
Pode até acontecer algo estapafúrdio no capítulo — tudo não passou de um sonho; início de um arco envolvendo multiverso; eles estavam mortos, e tudo ali era purgatório; Ellie enlouquece, monta num dragão e sai por aí destruindo tudo —, que não ofuscará o que se atingiu até agora. O fato é que a versão televisiva de The Last of Us superou a maldição do produto audiovisual transposto do videogame.
Foram décadas de games sendo adaptados em filmes ou séries de qualidades duvidosas ou até risíveis — vide Super Mario Bros (1993) ou Street Fighter: A Última Batalha (1994). Há animações que até conseguiram agradar, casos de Castlevania (2017-2021) e Street Fighter II Victory (1995); porém, acabaram se concentrando em um público nichado. O que saiu em live-action, no máximo, obteve um resultado não mais que razoável. Recentemente, foram realizadas algumas adaptações divertidas — casos de Detetive Pikachu (2019) e os dois Sonic: O Filme —, mas somente com The Last of Us é que o jogo, de fato, virou. Sucesso de público e crítica, a série furou a bolha gamer.
Criado por Neil Druckmann, o game TLOU foi lançado originalmente em 2013, ganhando uma sequência (Part II) sete anos depois. Trata-se de um jogo de ação com elementos de horror e sobrevivência na perspectiva de terceira pessoa.
Entre as diferentes plataformas Playstation (3, 4 e 5), estima-se que a franquia tenha vendido mais de 37 milhões de cópias — número divulgado pela Naughty Dog, desenvolvedora do game, em dezembro de 2022 — e venceu mais de 500 prêmios de jogo do ano.
The Last of Us é apontado como revolucionário por ir além do mero tiroteio e fuga de zumbis, trazendo uma narrativa com emoção e focando os conflitos humanos em um mundo pós-apocalíptico. A trama do primeiro jogo se concentra na missão do contrabandista Joel em escoltar a adolescente Ellie pelos Estados Unidos. Só que o mundo está devastado por um fungo mortal, que transforma as pessoas em monstros canibais — fora os humanos que também são uma ameaça. Nessa jornada, os dois desenvolvem uma conexão de pai e filha e enfrentam situações extremas.
Do game para a TV
Para levar um blockbuster dos games para a TV, o próprio Druckmann assumiu a produção-executiva da série, além de dirigir dois episódios e escrever o roteiro de três, e convidou Craig Mazin para auxiliá-lo na tarefa. Tendo no currículo a comédia pastelona Super-Herói: O Filme (2008), Mazin notabilizou-se por ter produzido a aclamada minissérie Chernobyl (2019). Em TLOU, ele atuou no roteiro de oito dos nove episódios e dirigiu o episódio de estreia.
Falando em direção, a adaptação mesclou nomes experientes em séries (Liza Johnson, Jeremy Webb e Peter Hoar) com cineastas que se destacaram em festivais europeus, como a bósnia Jasmila Žbanić, indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro por Quo Vadis, Aida? (2020), e o iraniano Ali Abbasi, vencedor da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes com Border (2018).
Tendo estreado em 15 de janeiro, TLOU conseguiu equilibrar sucesso de público e crítica. O primeiro episódio foi a segunda maior estreia da emissora nos EUA desde 2010, reunindo 4,7 milhões de espectadores em seu lançamento. Já o HBO Max chegou a ficar fora do ar por conta do alto número de acessos.
Nas redes sociais, a repercussão da série tem sido estrondosa e majoritariamente positiva a cada episódio. TLOU também tem sido fonte de memes e até ganhou um doodle interativo do Google na página de buscas. Os fãs exaltam, principalmente, as atuações de Pedro Pascal e Bella Ramsey — que vivem Joel e Ellie, respectivamente.
Projetada em Game of Thrones, Bella foi recebida com desconfiança por parte dos fãs quando foi escalada para o papel. E ela calou bocas: a atriz tem sido elogiada por entregar um trabalho contundente e emocional, com fãs já clamando por sua indicação ao Emmy 2023.
Já Pedro Pascal virou um "namoradinho da internet". Também projetado por GoT, mas depois tendo brilhando em Narcos e The Mandalorian, o chileno tem conquistado corações, sendo constantemente celebrado como um paizão nas redes sociais ("daddy"). Difícil um ator ter sido mais citado do que ele na web em 2023.
Deu certo
A adaptação de TLOU funciona tanto para os fãs do game quanto para o público sem afinidade com o joystick. Para os gamers, a série agrada não só por manter os principais elementos do roteiro do jogo, mas também por expandi-los. Há quem seja mais radical e torça o nariz para pequenas alterações realizadas, mas vale frisar que adaptação é diferente de reprodução. Há que se retrabalhar determinados aspectos, pois, afinal, série não é gameplay.
Quem nunca jogou TLOU identifica uma história sensível e profunda na série. Há momentos de ação e terror, mas também é um drama que costura sutilmente temas como paternidade, identidade e pontes emocionais.
É seguro apontar The Last of Us como a melhor adaptação já feita de um game, pois a série se cercou de cuidados em sua execução, algo para o qual nenhuma produção do gênero se atentou até então. Uma pista sobre o porquê da série ter quebrado essa maldição pode ter sido indicada por Craig Mazin, em entrevista à revista New Yorker.
O cineasta refletiu que muitos games já são derivados de filmes — exemplificando que "Tomb Raider é um Indiana Jones de gênero invertido" e que Halo pega emprestado muitos elementos da franquia Alien. Ao retornar à mídia de onde essas histórias se originaram, distorções ocorrem nas transposições. Outros games também não continham histórias interessantes para serem traduzidas. Porém, como ressalta Mazin, TLOU sempre foi um game "em que a história vem primeiro".
Na mesma publicação, Druckmann complementou:
— Às vezes, as adaptações não funcionam porque o material de origem não é forte o suficiente. Há momentos também em que os realizadores não entenderam o que tinham em mãos.
A tendência é que TLOU siga pautando as redes sociais: uma segunda temporada já foi confirmada pela HBO. A nova leva de episódios deve abranger o segundo jogo da franquia, que tem uma história ainda mais intensa que a do primeiro. Se os realizadores conseguirem manter o padrão da parte um, então, o futuro pode ser brilhante.