Em uma semana difícil para o humor brasileiro, é possível encontrar uma boa companhia na noite deste sábado (8). Após Império, a RBS TV passa a exibir semanalmente uma seleção de episódios da sétima temporada de Vai que Cola, humorístico que ficou marcado também pela atuação de Paulo Gustavo, que morreu na última terça-feira (4) em decorrência da covid-19. Um dos destaques da fase inédita na TV aberta é a gaúcha Grace Gianoukas, que interpreta Dona Rosa, administradora de um hotel em Miami em que Ferdinando (Marcus Majella), Jéssica (Samantha Schmütz), Dona Jô (Catarina Abdalla), Terezinha (Cacau Protásio) e Reginel (Luis Lobianco) vão passar férias.
Nesta temporada, após um tempo afastado do elenco, Paulo Gustavo aparece em participação especial como Angel, irmã de Valdomiro, uma brasileira que mora na cidade norte-americana e faz de tudo para conseguir seu green card. Célebre por receber convidados, a sitcom ainda tem as presenças de Angélica e Rafael Zulu em diferentes episódios, além de personagens inéditos, como Alejandro (Pedroca Monteiro), Célio (Paulinho Serra), Emily (Rhaisa Batista) e a Dona Rosa, de Grace.
Em entrevista por telefone a GZH, a atriz com quase 40 anos de carreira falou sobre o legado de Paulo Gustavo, a participação no humorístico e sua atuação como Ermelinda em Salve-se Quem Puder, atual novela da faixa das sete.
Como recebeu a notícia da morte de Paulo Gustavo?
Eu não participei das outras temporadas do Vai que Cola, só gravei um episódio com o Paulo, não ficamos íntimos, mas nossa relação de bastidores e palco foi maravilhosa, com muitas gargalhadas, respeito e admiração. Sua passagem para outro plano é realmente desoladora para todos os milhões de fãs dele em todo o Brasil, entre os quais eu me incluo. Aliás, a perda de 400 mil brasileiros para a covid-19 é uma tragédia inaceitável, pois poderia ter sido evitada se tivessem se importado mais com a vida do que com a morte, se tivessem priorizado as vacinas e não as armas. A partida de Paulo Gustavo, por ser tão adorado, praticamente uma unanimidade nacional no que diz respeito ao riso, à leveza e ao afeto, é um soco no peito da nação. Leva todas as gerações, e até negacionistas, a refletir sobre a letalidade deste vírus. Paulo Gustavo não morreu, mudou de plano, abriu suas imensas asas e agora voa livre como um anjo de luz, nos abençoando com alegria e amor como sempre fez.
Nesta temporada do Vai que Cola, você vive Dona Rosa, que tem um hotel bagunçado e simples em Miami. Ela coloca todo mundo para trabalhar. Já esteve um estabelecimento semelhante na vida real?
Eu viajo muito, e o que tenho de referência são pousadas, naqueles lugares em que os donos são aqueles que cuidam. Sempre tem os mais diversos tipos, simpáticos, hippies. Uma vez fiquei em um desses em Paraty, foi muito interessante, porque era bem simples e o dono era um italiano de Veneza e veio morar aqui. Mas nunca passei por algo em que botassem para trabalhar (risos), como ela faz no Vai que Cola.
Como foi entrar para um elenco de peso como o do humorístico?
Foi uma honra, porque ali todos são de muito talento. Com as temporadas, percebe-se sempre uma atualidade muito grande e até o jogo entre atores, com uma intimidade e troca que só quem tem um bom tempo de palco junto faz o que eles conseguem. Fiquei preocupada com a improvisação e a dona Rosa era nova personagem, então teve toda uma construção. Entrei preocupada em não estragar o programa (risos).
O que te deu tranquilidade?
Fui extremamente bem recebida por todos e, como já tinha feito (o espetáculo) Terça Insana com a Samantha (Schmütz) e o próprio (Marcelo) Médici, foi me tranquilizando. Foi importante o olhar dos diretores, que me davam feedback de tudo. Quando sou atriz, me entrego completamente: o que mandam, eu faço, a gente tem que ter confiança e se entregar. Depois, com uma brincadeira ou outra, a gente já estava entregue.
E dessa grande leva de sitcoms, o que você guarda na memória?
O Vai que Cola é um dos meus favoritos, mas tem coisas legais como Tapas e Beijos, Os Normais, A Grande Família, Baby e Rose, amo muito tudo (risos). Neste, os personagens têm uma pureza encantadora, gosto de humor que não ofende nem humilha ninguém. São dois grandes atores em Baby e Rose (Caike Luna e Lindsay Paulino). Não gosto de maldade, não acho legal humor que humilha os outros.
Depois de muito tempo de teatro, você acabou se voltando para novelas, como Haja Coração, Orgulho e Paixão e, agora, Salve-se Quem Puder. O que ajudou a construir essa transição?
Sou gaúcha, comecei aí em Porto Alegre com o Acre vai à Rússia, junto com (o diretor) Élcio Rossini, e vim para São Paulo, e aqui participei de muitas coisas. Cada trabalho corresponde uma época da vida e da televisão. Em 2014, eu queria coisas novas, porque achei que tinha que aprender mais coisas, era minha hora de ser testada com outros formatos. Abri espaço na minha vida para aceitar convites que vinham aos montes. De lá para cá, aprendi muito com cada novela que faço. TV é completamente diferente: sou do teatro, que é uma prancha de isopor perto da long que é surfar na novela (risos). Tenho feitos personagens tão diferentes, e no próprio Vai que Cola foi algo diferente. Tem uma personagem de CSI Miami que é uma loira que tem voz meiga que me irrita um pouco (risos) e resolvi fazer a Dona Rosa assim, com aquele cabelinho e um figurino muito anos 1980. No fim, usei várias coisas marcantes da TV para compor ela, no fim aquilo tudo é tipinho, sabe (mais risos)?
Agora, na dramaturgia, você vive Ermelinda, que é bem mãezona. Você tem um pouco dela? Tem isso de adotar as pessoas também?
É totalmente eu, não tenho vergonha de assumir (risos), mas bem no sentindo de abraçar, amparar, eu sou mãezona de todo mundo. Não é à toa que passaram mais de 400 atores pelo Terça Insana. Eu sou assim com todo mundo. São Paulo me abraçou muito na década 1980 quando eu cheguei, fui apoiada, então é uma corrente que passo adiante.
Em Salve-se Quem Puder, Ermelinda é superprotetora e chega a barrar a relação da Alexia (Deborah Secco) com o Zezinho (João Baldasserini). Você também é assim?
Ah, não! A Ermelinda tem uma grande preocupação, porque ela é vivida, de muita sensibilidade, e acha que a Alexia vai fazer o Zezinho sofrer quando voltar para a vida dela. Eles têm diferenças que não cabem em uma relação. Na vida, eu não me meto na vida do meu filho, por exemplo, que é adulto e independente, somos muito amigos. Eu só me meto quando sou chamada. As pessoas às vezes fazem escolhas que eu acho que podem dar errado, mas cada um tem seu caminho e tem que arcar com as consequências. Isso é a maturidade, o caminho de cada um. Eu vou ajudar quando me chamarem.
Uma de suas amigas, inclusive, é Ilana Kaplan, a gaúcha que viralizou recentemente com os vídeos de "é de bom-tom".
Eu estou muito feliz com o sucesso dela, ela é ge-ni-al. Nos meus trabalhos, eu sempre acho maravilhoso conviver com gente incrível (as duas trabalharam juntas no Terça Insana), e eu adoro gente criativa, observadora, como a Ilana é. Ela é talento puro e merece tudo o que está acontecendo.
Afinal, o que não é de bom-tom para você, Grace?
Com risco de ser bloqueada, cancelada, mas vou falar: sabe quando está no YouTube, vendo um vídeo supersério, de um cientista, ou uma palestra, e aparecem aqueles vídeos fazendo uma dancinha ridícula? A propaganda não tem nada a ver, o oposto do que está sendo falado, acho de péssimo tom. Tinham que rever esse tipo de ação para que os produtos não sejam rejeitados, quero uma revisão urgente (risos).
E quanto às posturas das pessoas nas redes, tem algo que chega a dar desespero para pedir que apaguem logo?
Eu tento ao máximo julgar menos as pessoas, mas tem coisas desesperadamente egoicas, aquilo de querer aparecer, que acabam sendo contra elas mesmas. Eu não costumo comentar coisas negativas em lugar nenhum. Quando compartilho, é natureza, preservação ou novelas, coisas que faço. Pouco falo de questões pessoais. O que me importa é o que vai ser nossa sobrevivência, e que florestas, a decência e que conteúdo vai ficar por aí para quem tá chegando agora ao planeta.