O relato de Sandy e Junior: A História tem início em 18 de dezembro de 2007. A série documental de Douglas Aguillar não se preocupa em apresentar os irmãos Lima, pulando diretamente para a comoção em torno do último show da dupla, após 17 anos lado a lado. Para a juventude brasileira filha dos anos 1990, aquele momento seria tão trágico quanto Paul McCartney anunciando que o sonho dos Beatles acabou.
Mas como bem sabem os fãs da dupla, "o que é imortal não morre no final" e uma das mais marcantes parcerias da música brasileira retornaria aos palcos 12 anos após a ruptura, com a turnê Nossa História. Esta série em sete partes, que chega às telas da RBS TV a partir do próximo domingo (11), às 14h50min, é um dos frutos da reunião tardia.
Original do Globoplay — onde segue disponível para assinantes — a obra traz um retrato detalhado das diferentes facetas de Sandy e Junior. Os episódios, de cerca de uma hora de duração cada, abraçam diferentes momentos da carreira dos dois, partindo do final da dupla para seu começo, ziguezagueando por suas diferentes aventuras, da dramaturgia às carreiras solo, passando pelas dificuldades do sucesso precoce.
Que exista conteúdo para mais de sete horas corridas de documentário, focado em duas pessoas que ainda nem chegaram aos 40 anos, diz muito sobre os irmãos. Ao longo de três décadas nos palcos, eles lançaram 16 discos, seis DVDs, com mais de 200 canções, entoadas em cerca de 2 mil shows. Em um mundo em que a música não era digital, venderam 17 milhões de discos, tornando-se um dos maiores nomes da Universal Music. Estrelaram filmes, novelas e sua própria série de TV. Boa parte desse legado, aliás, realizado antes de terem idade para consumir bebidas alcoólicas, votar ou dirigir.
Como o pai dos irmãos aponta a certa altura, às vezes tanto Sandy quanto Junior esquecem exatamente quão grande e impressionante foi essa jornada conjunta na música brasileira. Aguillar, então, faz questão com sua A História, que ninguém mais esqueça.
Era Uma Vez...
Super-heróis tendem a ter uma história de origem, uma espécie de conto que explica seu surgimento no mundo, seus superpoderes, sua personalidade, sua ambição. No caso de Sandy e Junior, superastros ganham uma dessas também. A lenda tem início em 1989, com sua participação no programa Som Brasil, apresentado então por Lima Duarte.
Filhos de Xororó, que já era famoso por sua dupla com Chitãozinho, os dois foram convidados para participar do programa ao acaso. Aos cinco e seis anos, eles gostavam de cantar e ficaram encantados com a possibilidade de mostrar seus dotes com uma interpretação da clássica Maria Chiquinha.
— Eu tenho certeza que eles começam hoje a ser artistas, a ser cantores, e vão cantar ao longo da vida e encantar como os pais tem encantado — profetizou Lima Duarte ao fim da apresentação de "Juninho e Sandy Xororó".
Uma vez com o microfone em mãos, Sandy e Junior deixaram de lado qualquer possibilidade de uma infância normal. A brincadeira de gravar e lançar discos começaria com Aniversário do Tatu, em 1991, e seguiria ininterrupta até Identidade, em 2003. No meio tempo, eles evoluiriam de uma espécie de dupla sertaneja infantil para astros do pop milionários, com direito a carreira internacional e jatinho privado dentro do país.
É unanimidade entre os depoimentos da série, de familiares e amigos a empresários e diretores, que se a estreia dos dois esteve atrelada à sorte, tudo que veio depois é resultado de muito trabalho duro. As crianças milionárias e hiper famosas ficaram mais conhecidas por sua disciplina e garra. E não é como se a vida deles fosse um sonho, como narra Junior:
— A gente entrou em uma fase em que não tinha mais tempo, de jeito nenhum. Produzir disco leva muito tempo, programa consome muito da nossa agenda. Não sobrava tempo pra mais nada além de programa, show e colégio.
Atravessa toda a série a ideia de que o papel de quinto Beatle, nessa história, é da mãe deles: Noely. Da infância à adolescência, é ela quem promove, organiza, gerencia e administra a carreira de Sandy e Junior. Exemplo disso é o fato de ter sido ela a ceder à produção, divididos em cerca de 250 DVDs, gravações caseiras dos irmãos e suas participações em programas de TV, que ilustram todos os capítulos da série.
— Eu tinha três filhos: a Sandy, o Junior e o "Sandy e Junior" — brinca ela.
Olha o que O Amor Me Faz
Não foi tudo um sonho, mesmo. De um episódio intitulado Auge, a série em seguida recai em Boatos e Polêmicas, uma lembrança de como a mídia vem atormentando jovens artistas há tempos. Na esteira do que foi visto no documentário Framing Britney Spears, é possível acompanhar em A História a forma infame como Sandy foi tratada.
“Você ainda é virgem?”, tornou-se uma questão que adultos se sentiam confortáveis a fazer a uma adolescente em rede nacional. Muito antes disso, aos sete, nove, 12 anos, ela era questionada sobre namoros e pretendentes. Ao mesmo tempo, seu irmão mais novo teve sua sexualidade questionada por dançar livremente no palco. Enquanto o período foi difícil para ambos, parece ter sido ainda mais complicado para Junior, que ainda era acusado de ser apenas "uma sombra de Sandy".
— Vivi um período de depressão, de pânico, que foram inevitáveis diante do que a gente viveu. Tem um lado negativo, como tudo na vida, todo mundo vive isso — afirmou o cantor à época do lançamento do documentário.
Tal atenção excessiva da mídia parece um dos fatores importantes no dissolvimento da dupla Sandy e Junior. Enquanto o carinho que eles têm um pelo outro transparece em cada frame de gravação, é possível perceber como o ritmo de suas respectivas carreiras solo parece satisfazê-los mais do que a tensão exacerbante de um show estratosférico no Rock in Rio ou de um especial de fim de ano da Globo.
Tudo isso torna ainda mais especial a decisão dos artistas de retornar aos palcos lado a lado em 2019, enfrentando seus traumas e desafios. Os últimos dois capítulos da produção se dedicam a reconstruir passo a passo a turnê Nossa História, de decisão em decisão e show em show. Dos momentos mais íntimos nos bastidores até as grandes performances em estádios, do planejamento nas casas de Sandy e Junior até os detalhes com o corpo de bailarinos e cenários, nada fica de fora.
Em meio à isso, então, fica claro que a decisão de se reunir outra vez foi principalmente um presente aos fãs, que vêm pedindo pela volta de Sandy e Junior desde dezembro de 2007. Ainda não foi um retorno definitivo, é verdade, mas uma chance de matar a saudade.
Inesquecível em Mim
Por falar em saudade, os fãs ainda podem encontrar outros conteúdos sobre Sandy e Junior atualmente no streaming. Além da série documental, o catálogo do Globoplay oferece um documentário apenas sobre a última turnê, intitulado Sandy e Junior: Nossa História.
As quatro temporadas do seriado jovem Sandy e Junior, no ar entre 1999 e 2002 na Globo, também estão disponíveis, assim como a novela protagonizada por Sandy em 2001, Estrela-Guia. O filme de terror Quando Eu Era Vivo, de 2014, de Sandy com Marco Dutra, é outra opção para o público no Globoplay.
Já Mato Sem Cachorro (2013), com uma pequena participação da cantora como ela mesma, está no Telecine Play. Enquanto isso, o ambicioso Acquária (2003), de Flávia Moraes, que traz ambos os irmãos no elenco, está na Disney+.