A pandemia de coronavírus mexeu com a vida e a cabeça das pessoas no mundo inteiro. Não é para menos, afinal, estamos há cerca de um ano lutando contra um inimigo invisível, lidando com isolamento social, medo da doença e uma grave crise econômica.
Se o Big Brother Brasil é um recorte da sociedade, era de se esperar que os ânimos da 21ª edição estivessem mais alterados. Os participantes já entraram na casa com uma sobrecarga emocional ímpar, tanto que, em apenas três semanas, o público acompanhou barracos, bate-bocas, triângulos amorosos (reais ou imaginários), pressão psicológica e até uma desistência.
GZH destaca os principais acontecimentos que movimentaram o programa até agora e tenta explicar, com o auxílio de uma especialista, por que este BBB está mais tenso do que os anteriores.
Influência da pandemia e das regras do jogo
Segundo Carmem Giongo, professora da graduação e do mestrado em Psicologia da Universidade Feevale, o fator determinante para a visível tensão no BBB 21 é a pandemia. A covid-19 ainda assola o mundo, e o estresse que já estava presente em cada um de nós se potencializou nos participantes do reality show. É inevitável, portanto, que os brothers e sisters já entrassem na casa com um certo abalo emocional.
Estudos recentes da Universidade de São Paulo (USP) comprovam que a saúde mental dos brasileiros sofreu um baque nos últimos meses. Realizada em 11 países, a pesquisa aponta que o Brasil lidera o ranking de casos de depressão (59%) e ansiedade (61%) durante a pandemia. Os medos e dúvidas se exacerbaram, e com os 20 integrantes do BBB não foi diferente.
As regras do jogo também são um gatilho para tudo o que tem acontecido dentro da casa, como explica a psicóloga Carmem:
— É possível que a pandemia tenha influenciado a saúde mental deles. No entanto, é importante destacar que os participantes do BBB são estimulados a práticas de extrema competitividade. As atividades propostas e o modo como as relações são mediadas pelas regras do jogo contribuem diretamente com o estabelecimento de relações abusivas.
O temido cancelamento
Karol Conká pesou a mão em seus julgamentos e comentários, teve atitudes consideradas agressivas e fez suas primeiras "vítimas", como a paraibana Juliette, a quem acusou de não ter educação e de ser invasiva. Se antes do BBB Karol exibia uma postura empoderada e militante em causas das minorias, diante das câmeras, a rapper "tombou", como diria ela própria.
Os ânimos efervescentes da casa ganharam novos contornos depois da primeira festa, no dia 27 de janeiro. Lucas entendeu a rejeição da modelo Kerline, já eliminada, como um ato de racismo, tentou articular alianças, exagerou na abordagem e incomodou a todos. Resultado: foi cancelado!
Em retaliação ao comportamento do rapaz, Karol Conká sugeriu que todos evitassem a presença dele, atitude típica do tal cancelamento de que tanto se fala atualmente.
— Pode ser associado às práticas de isolamento de uma pessoa ou grupo, é um ato associado à violência psicológica e ao assédio moral — destaca Carmen.
Isolamento e saída
Com poucos aliados dentro da casa, Lucas Penteado foi se sentindo cada vez mais solitário e deprimido. Crises de choro, pedidos de perdão e tentativas de conversa foram inúteis: quase ninguém quis dar uma segunda chance ao jovem depois de algumas discussões na primeira festa do reality show.
Na festa seguinte, ele se aproximou de Gilberto, e os dois se beijaram na pista de dança. Enquanto os telespectadores celebravam o novo casal, dentro da casa, as opiniões foram bem diferentes.
Apoiada por outros participantes, a psicóloga Lumena acusou Lucas de estar usando a pauta LGBTQI+ para se promover dentro do jogo. Ao invés de acolher, ela repudiou a atitude do rapaz. Pressionado, Lucas desistiu do jogo. Fora da casa, o ator recebeu o acolhimento que lhe faltou durante o programa e tem recebido até mesmo doações em dinheiro de fãs e amigos que apoiaram sua causa.
Carmem Giongo alerta para o tipo de comportamento que motivou a desistência de Lucas. Longe das câmeras, casos como esse são comuns:
— As discussões sobre violência psicológica nos mais diversos contextos sociais é urgente. Não podemos naturalizar atos de isolamento, julgamentos e humilhações.
O poder da "mamacita"
Considerada a vilã da atual edição e com forte liderança entre a maioria dos participantes, Karol Conká é a cancelada da vez. Sem medir seus atos e palavras, a rapper nem imagina as consequências de seu comportamento.
Aqui, do lado de fora, a carreira da moça vem sofrendo abalos, com cancelamento de contratos e perda de seguidores no Instagram. No "tribunal da internet", o estrago é ainda pior. Karol já foi julgada e condenada nas redes sociais, palco principal de amor e ódio no século 21. Mas a professora Carmen chama a atenção para esse apedrejamento virtual. Devemos ter cuidado antes de jogar a primeira pedra, ou dar o primeiro unfollow (deixar de seguir), no caso.
— Este processo (de cancelamento) pode ter sérias consequências para a vida das pessoas, especialmente para a saúde mental. As redes sociais, de modo geral, impulsionaram e facilitaram essas práticas, e, muitas vezes, diminuem o sentimento de empatia entre os seguidores, já que mensagens de ódio podem ser postadas rapidamente, sem acesso aos efeitos provocados pelo ato — explica.
O preço da fama
Eliminado nesta semana, Arcrebiano sentiu na pele as influências negativas do jogo. Alçado a pivô de um triângulo amoroso que nunca existiu, ele foi alvo do ciúme de Karol, acusado de covardia e omissão.
Na última conversa com a ex-ficante, o rapaz desabafou:
— Eu era uma pessoa anônima, ninguém me conhecia, mas eu era muito feliz. Agora, eu estou triste.
Bil foi condenado, dentro da casa, por erros que nem cometeu. Rodeado de pessoas que conhecia há poucos dias, ele enfrentou um duro pré-julgamento. O abatimento do capixaba era visível.
— Os pré-julgamentos fazem parte do comportamento. O problema é a inexistência de espaço para as trocas, desmistificação destes pré-conceitos e possibilidade de construir outras imagens — ressalta Carmen.
Expectativa x realidade
A presença de participantes famosos — o grupo Camarote — no BBB provoca um curioso fenômeno. Alguns, queridos pelo público antes de entrarem no programa, se revelam pessoas bem diferentes — ou, simplesmente, humanas — quando o jogo começa. E dá-lhe mais cancelamento.
"A gente se adaptou ao mundo feroz. Agora, é hora de fazer com que o mundo se adapte a nós", diz uma das músicas de Projota. Aclamado antes do reality, o rapper deixou que o "mundo feroz" da casa do BBB o engolisse, e decepcionou muita gente.
No caso de Lucas Penteado, Projota parecia acolher o jovem, que se dizia seu grande fã, mas virou as costas aos primeiros erros do rapaz, participando do plano de isolá-lo dentro da casa. Não à toa, no Jogo da Discórdia, no dia 8, o cantor foi considerado "influenciador" pela maioria dos colegas de confinamento. Aqui fora, ganhou a pecha de um dos vilões do BBB 21.
Cadê vocês?
Um dos integrantes mais conhecidos do grupo Camarote, Fiuk empolgou o público nos primeiros dias, principalmente pelas promessas de romance com as meninas da casa. Aos poucos, o discurso de "desconstrução dos estereótipos", proferido por ele mesmo, o fez se perder e quase sumir no jogo.
Quem também prometia muito, mas não cumpriu, foi Pocah. A funkeira ainda não acordou (literalmente, pois passa dias inteiros dormindo) para a disputa, provocando até piadinhas de Juliette: "Pocahs palavras, Pocahs ideias, Pocahs conversas".
Surpreendente
Há casos de "descancelamento" no BBB 21. Viih Tube entrou no programa cancelada, muito por conta de suas atitudes em vídeos antigos, como maus tratos a seu gato, por exemplo. Mas, ao que parece, a moça de 20 anos cresceu e amadureceu.
Nas polêmicas mais recentes, ajudou a apagar os incêndios que tomavam conta da casa. Por vezes, seu discurso parece ser dos mais coerentes e sensatos do reality show. Pode ir longe se souber escolher o grupo certo para se aproximar.
Alerta
Se o Big Brother espelha comportamentos e situações da vida em sociedade, os acontecimentos mais recentes servem de alerta. Cancelar alguém, no mundo real ou virtual, pode trazer graves consequências para a saúde mental de quem sofre com isso. Não é diversão ou entretenimento ver alguém ser humilhado, isolado e rechaçado.
A psicóloga Carmen adverte:
— O sofrimento mental geralmente é tratado como algo individual, de responsabilidade do sujeito, quando na verdade está entrelaçado com a cultura, as relações sociais e as políticas públicas. Isso também cabe para o sofrimento psíquico gerado pelos diferentes modos de preconceito, discriminação e pela violência.