Um médico que batalha para salvar as pessoas e que agora está entre a vida e a morte. Esse é o dilema de Evandro, personagem interpretado pelo gaúcho Júlio Andrade, no segundo e último episódio do especial Sob Pressão – Plantão Covid, que vai ao ar nesta terça-feira (13), a partir das 23h10min, na RBS TV.
Parceiro de Carolina (Marjorie Estiano), Evandro está infectado pelo coronavírus e deixou os espectadores arrepiados no capítulo de estreia. Em entrevista a GZH, Andrade fala sobre o sucesso de Sob Pressão, a relação com o irmão Ravel (que interpreta Evandro na versão jovem) e seu destaque como Cadu no seriado Um Contra Todos, que lhe rendeu duas indicações ao Emmy Internacional de Melhor Ator. Confira:
Você já disse que as gravações de Sob Pressão são bem desgastantes. Como foram as gravações desse especial, já que os atores obedeceram regras de segurança por conta do coronavírus?
Para gravar a série, tem que esquecer da vida lá fora. Costumo dizer que é preciso “esvaziar” e deixar entrar o drama da cena. O Sob Pressão tem essa característica de contar dramas muito tristes, por ser um momento de fragilidade do ser humano, um momento que você mais precisa de um médico, isso gera um desgaste físico e mental muito grande. Esse especial em específico foi mais difícil ainda porque tinha o protocolo, e toda a tensão gera mais cansaço. Toda a preparação foi a distância, com leituras online e conversas com o médico Márcio Maranhão (supervisor da série) para poder entender o lado de dentro como estava o coronavírus em si. Foi tudo muito minucioso.
Já são três temporadas interpretando o Evandro no seriado médico. O que ele ensinou para a sua vida e como é sua relação com hospitais?
Sempre tento fazer um personagem diferente do outro, eu busco isso para a minha carreira. Para mim, é estranho ficar muito tempo em um mesmo personagem, e eu sempre fui avesso a hospitais e a qualquer tipo de situação de fragilidade. Sempre me deixou nervoso o fato de pisar em um hospital, o cheiro dele, a luz branca, nunca gostei. Era algo muito distante para mim esse universo, e quando pintou convite para Sob Pressão eu duvidei se iria conseguir. Mas esse compromisso com a vida, tem algo super-humano, e isso me cativou. Trago o lado humano do Evandro para a minha vida, o cuidado dele com o próximo. Vivemos um momento tão maluco, e é legal fazer parte de um projeto que abre discussões, traz um lado do difícil. Me sinto feliz de estar nesse projeto.
Como você foi moldando o personagem ao longo das temporadas?
O Márcio Maranhão (supervisor) foi me mostrando como era a realidade. Assisti cirurgias de perto e fiquei fascinado pela profissão e entendi um pouco daquele universo através do olhar dele. Como ele sempre acompanha as gravações, até como fazer uma incisão ele mostra na hora, acabei pegando o jeito dele. E o doutor Samuel (personagem da segunda temporada que morreu, que era uma inspiração assumida para ele) é um amigo que conheci, tem outro olhar, mais da admiração da vida. Ele tem mais essa característica do paizão. Eu também levo muito do que sinto para a cena, é inevitável. E querendo ou não, o Andrucha (Waddington, diretor) também é esse maluco que tem muito tesão pelo o que faz, tem um pouco dele ali no Evandro também.
A troca com a Carolina também interfere nesse processo?
A Marjorie (Estiano) é amigona, parceira, e a admiro muito na tela e fora dela. A gente aprendeu muito um com o outro, foi tentando entender a linguagem juntos. Acredito que tenhamos colocado uma linguagem naturalista junto, sem maquiagem e de cara limpa, sem máscaras.
Como é seu contato com o Ravel? Houve algum tipo de laboratório familiar para ele viver o Evandro mais jovem?
Comecei fazendo teatro em Porto Alegre, com Bailei na Curva, Menino Maluquinho, e depois fui para os curtas-metragens. O Ravel sempre foi aquele cara que me acompanhou, desde o início, em ensaios e apresentações. Uma vez coloquei um figurino dele em uma peça minha e fiz ele entrar no meu lugar nos agradecimentos. Ninguém acreditou o quanto éramos parecidos, nem o diretor (risos). O Ravel tem esse olhar para a arte desde que nasceu. Eu tocava violão e ele sempre me acompanhava. Quando tinha 15 anos, ele me ligou e disse que queria fazer teatro. Dei a maior força e consegui uma bolsa através do (ator e diretor) Zé Adão Barbosa. Tempos depois, trouxe ele para São Paulo, e está por aqui faz uns seis anos. Do Sob Pressão, nem passou por mim, eu soube por ele! O Ravel era a melhor pessoa para fazer o papel, porque naturalmente somos parecidos, com trejeitos e timbres de voz parecidos. Nem precisou de laboratório, porque a vida fez isso. A única diferença é que ele é vegetariano e eu, não (risos).
Cadu, em Um Contra Todos, era um cara que peitava o sistema. O Evandro também. É uma coincidência ou você sempre busca isso?
Tem as duas coisas. O Cadu e o Evandro foram papéis que achei interessantes logo de cara, não teve nada estratégico. As coisas apenas aconteceram. Procuro bons personagens e boas histórias sempre. E que bom que eles enfrentam o sistema, são fortes e cativam o público, fazendo as pessoas se identificarem com essas escolhas. Minha preocupação é só que eles tenham alguma troca com o público.
Um Contra Todos acabou na hora certa? E o Cadu te ajudou a desenvolver algo específico?
O Cadu tinha uma coisa marcante da relação com a família, e eu achava isso incrível, mas ele era um cara desastrado. E essa coisa do thriller, de quem pula no barco com fogo em movimento, são coisas que estão no meu imaginário de criança, do super- herói... Então eu queria viver isso. Quanto mais maluco o personagem, mais feliz eu ficava. Ele me trouxe um reconhecimento bem legal. E estava na hora de acabar, sim. Eu pirava pensando: “Para onde ele vai? Miami? Vai para Lua também?” (risos). Acho que é bom terminar lá em cima. E eu tenho a necessidade de fazer outras coisas. Não gosto de estacionar.
O que vem por aí, então?
Fui convidado pelo Sergio Machado e pelo Afroreggae para viver o Betinho (o sociólogo Herbert de Souza, “o irmão do Henfil” da música O Bêbado e o Equilibrista), que era um cara ponta firme. Foi um convite que nem pensei, aceitei na hora. O Ravel também vai participar como o Chico Mário, o meu irmão, tocando violão. Está sendo um papel que olho lá na frente e penso: “Que bom que vou passar por isso”. É uma imersão na vida de um cara que uma galera das novas gerações não conhece e precisa conhecer. Mesmo com a dificuldade de saúde, ele não baixou a cabeça e foi à luta, levou gente com ele e tirou muita gente da fome e da miséria. Me sinto privilegiado de viver isso.
Por fim, o apelido "Julinho" tem alguma história especial?
Todo Júlio, quase todos, é Cesar. No Sul, a maioria eram César e eu sou Júlio Cesar Andrade da Silva, então o Julinho veio porque era muito grande (risos). E também porque era o moleque desde pequeno meio artista, que fazia as coisas. O Julinho do vô e da vó, da tia, do pai... e acabou ficando na vida. Eu gosto. Meu avô me chamava de “Tuinho”, era um dos que chamava de diferente. É muito do Sul isso de “Julinho”, poucos me chamam assim em São Paulo. Isso veio do Sul comigo.