Diferentes elementos ajudam a explicar a história da televisão no Brasil, mas as novelas, sem dúvidas, são um dos mais importantes. Ao longo de sete décadas, folhetins foram eternizados por tramas que traduziam fatos reais na ficção, mas também por conta de personagens emblemáticos.
Mauro Alencar, acadêmico estudioso da TV e doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela Universidade de São Paulo (USP), acredita que os personagens da teledramaturgia significam "a representação máxima da realidade". Ele lembra que os primeiros foram "importados", integrantes do elenco de O Direito de Nascer, e fizeram enorme sucesso na TV Tupi, em 1964: Albertinho Limonta, Sóror Helena e Mamãe Dolores.
— Convivemos com eles desde os primórdios de nossa TV. O abrasileiramento chegou com Irmãos Coragem (Globo, 1970) e prosseguiu com tipos extraídos de nossas ruas, fáceis de encontrarmos por aí... Em todas as praças, avenidas, nos mais distantes rincões de nosso imenso e plural Brasil — destaca Alencar.
Abaixo, GZH destaca 12 personagens que marcaram a teledramaturgia nacional, englobando destaques de diferentes décadas. A relação foi formada com as opiniões de Mauro Alencar e Valmir Moratelli, pesquisador em teledramaturgia pela PUC-Rio. A relação é apresentada de forma cronológica.
João Coragem (Tarcísio Meira) – Irmãos Coragem (1970)
João é um homem simples e generoso, que trabalha honestamente como garimpeiro e encontra um valioso diamante, mas é roubado pelo Coronel Pedro Barros (Gilberto Martinho). Injustiçado, João passa a liderar o movimento dos garimpeiros e, segundo Alencar, ele é o "primeiro brasileiríssimo" por ser destemido e procurar justiça.
Cristiano Vilhena (Francisco Cuoco) - Selva de Pedra (1972)
Após uma briga familiar terminada em morte, o personagem acaba largando o interior para morar no Rio de Janeiro. Alencar destaca que ele é o marco fundamental do início da modernização no Brasil e que a cena inicial, na Central do Brasil, resume o país que seríamos.
Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) - O Bem-Amado (1973)
O prefeito da pequena Sucupira, no litoral baiano, elegeu-se com a promessa de construir um cemitério e era dono de uma retórica vazia. Para Alencar, Odorico é o protótipo do político latino-americano, um ser corrupto que chamou a atenção de produtores de outros países, como México e Uruguai. O Bem-Amado teve seus direitos vendidos para toda a América do Sul.
Nice (Susana Vieira) – Anjo Mau (1976)
Considerada uma pioneira no feminismo, a personagem chamou a atenção em um país por ser uma mocinha diferente. Alencar reforça que ela não era "um anjo bom nem mau", mas que lutava por uma condição diferente da que ela tinha.
Maria Rosa (Nívea Maria) – O Feijão e o Sonho (1976)
No mesmo ano de Anjo Mau, esta novela colocou outra mulher em ascensão: Maria era uma mulher que saía para trabalhar, que foge da figura daquela pessoa do lar. A adaptação é de Benedito Ruy Barbosa, de obra homônima de Orígenes Lessa.
Sinhozinho Malta (Lima Duarte) - Roque Santeiro (1985)
Moratelli destaca que o bordão "tô certo ou tô errado" é lembrado até hoje. Já Alencar reforça que o personagem representa a politicagem, pois fez a estrada passar por sua fazenda. É o poder econômico personificado.
Odete Roitman (Beatriz Segall) – Vale Tudo (1988)
A vilã expressava sua crítica ao desleixo social desde os tempos da colonização, em frases como "esse povo daqui não vai pra frente, é preguiçoso" e "o Brasil é um país de jecas". Com maestria, segundo Alencar, Odete é o suprassumo do que é a sedução de uma vilã, refletindo sobre o domínio do capitalismo selvagem.
Perpétua (Joana Fomm) – Tieta (1989)
A viúva Perpétua fez de tudo para tomar a fortuna da irmã Tieta (Betty Faria), mas sua personalidade é um caso único na TV brasileira, já que vende a imagem de uma católica pura mesmo sendo fofoqueira. Moratelli aponta que a senhora conservadora que ela é "parece que fez escola". Alencar concorda com a reflexão, já que ela representa o “atraso dos dias de hoje”. Moratelli provoca: quantas Perpétuas não dão as caras no cenário político?
Sassá Mutema (Lima Duarte) – O Salvador da Pátria (1989)
Mineiro do sertão, que abandona sua terra tardiamente, depois de enterrar a mãe. Simplório e analfabeto, sabe apenas assinar o nome. O personagem é considerado um dos mais complexos da televisão para os especialistas, já que é um matuto transformado em herói.
Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) - Senhora do Destino (2004)
Atemporal é a palavra que define a personagem, segundo Moratelli. Com uma representação lúdica da maldade, Nazaré roubou bebê, empurrou oponente de uma escada e mostrou muita personalidade. Os memes estão aí como prova.
Carminha (Adriana Esteves) - Avenida Brasil (2012)
Alencar acredita que Carminha é a clássica vilã “folhetinesca”. A rival de Nina (Débora Falabella) é uma vilã que os brasileiros amaram odiar. Moratelli aponta que a receita das qualidades dela não tinha como dar errado: dissimulada, persuasiva e cheia de frases fortes.
Felix (Mateus Solano) - Amor à Vida (2013)
O personagem traz a questão de representatividade. Felix protagonizou o primeiro beijo gay em horário nobre da Globo, em que o "Brasil torceu por essa cena marcante", segundo Moratelli.
Menção honrosa: Crô (Marcelo Serrado) – Fina Estampa (2011)
Alencar frisa a importância de Crô, também importante para a representatividade. O personagem fala sobre ser autêntico com seu princípio de vida.