Mais do que um atração sempre em sintonia com o público jovem, o Altas Horas é uma caixa de ressonância para temas em pauta na sociedade. Talvez aí, segundo Serginho Groisman, esteja a explicação da longevidade da atração, que estreou na Globo em outubro de 2000 — dando sequência a um formato que ele consagrou a partir de 1990, quando comandou na TV Cultura o Matéria Prima.
E 2020, além das duas décadas do Altas Horas, Serginho comemorou 70 anos de vida, em junho. Formado em jornalismo, ele já produziu shows, trabalhou como repórter de rádio e jornal até se encontrar como apresentador na TV Gazeta, na década de 1980. Também passou pelo SBT, com o Programa Livre. O Altas Horas, exibido nas noites de sábado da RBS TV ilustra o pique e a criatividade de Serginho para promover a interação entre atrações musicais e debates sobre os mais diferentes assuntos, dividindo o protagonista tanto com artistas quanto com sua jovem plateia. Em entrevista a GaúchaZH, por chamada de vídeo, Serginho fala sobre esse marcante 2020, a condução do programa de dentro de sua casa, a relação com o Rio Grande do Sul e seus projetos para o futuro.
Como tem sido gravar diretamente de casa um programa que tem como marca a interação com a plateia? Os convidados ficam mais à vontade?
Sinto falta do estúdio, mas com o tempo fui me adaptando. Depois de mesclar alguns programas antigos com conteúdos inéditos, chegamos nesse formato totalmente remoto. Temos procurado pautas que são difíceis de acontecer no palco. O papo com o William Bonner e a Renata Vasconcellos é um exemplo. Semana que vem, vou conversar com a Alanis (Morissette). A Globo entendeu que a saúde vinha em primeiro lugar e, com essas contribuições, o programa manteve a repercussão boa de sempre. É muito mais trabalhoso fazer de casa do que no estúdio, às vezes demoro duas horas e meia em uma entrevista, mas o pessoal fica mais à vontade. Eu mesmo me sinto mais tranquilo. Falta plateia, a interferência dos jovens, mas estamos conseguindo tocar em assuntos que não falaríamos normalmente no palco.
Recentemente, você disse que não se considera um porta-voz dos jovens, mesmo com um programa prioritariamente dedicado a eles. Como você se vê?
Me vejo como sempre me vi e como sempre me viram: um apresentador. Sou um jornalista que tem plateia, que fala com eles. Mas nunca chegaram para mim e acharam que eu fosse jovem, ou me adjetivaram como um. Seria ridículo se eu me considerasse jovem ali. Sou jornalista, que divido opiniões, e a juventude tem seus porta-vozes. O programa é apenas uma passagem em que eles se reúnem, onde tem entretenimento e são protagonistas. Nunca dou conselho para eles, porque não é o meu papel. Fui professor e naquela época também não ficava dando dicas. As pessoas têm capacidade de refletir sobre o que é melhor pra elas.
Nestas duas décadas do Altas Horas, você sentiu muita mudança do público, percebe um encontro de gerações diferentes?
Existem muitas mudanças tecnológicas nesses 20 anos, a informação do jovem e de todos cresceu, mas se lê muito pouco. A leitura é importante demais e todo mundo precisa estar à frente disso. Vejo uma consciência ecológica e política, mas ainda existe preconceito, estereótipos, mas que estão sendo discutidos. O tempo está passando, as pessoas mudando, uma hora o país está para frente, outra atrás, outra na frente, outra atrás, mas sinto que o jovem está mais à frente do que ele deseja. O Altas Horas foi pioneiro nisso, de fazer ele se expressar. É claro que o nosso público não é só jovem, a divisão por faixas é muito parecida, existem crianças e idosos com mais de 60 anos, em uma faixa menor, mas eles estão lá. É um programa feito com plateia jovem, mas que abrange temas que alcançam todo mundo. Não fala só de rock, espinha... (risos) e sim de política, cultura, racismo, homofobia, tudo que interessa para a sociedade.
Então, esse é o segredo da longevidade do programa? Falar de tudo um pouco?
A longevidade tem a ver com a estrutura: as bandas não estão no centro, estão coladas na plateia, os convidados também. E esse é o exercício, em que procuro ser o mediador, não quero ser protagonista. A renovação de quadros, as conversas, as misturas musicais proporcionadas no palco... é um programa que toca em pontos importantes, mas que, ao mesmo tempo, diverte e procura levar leveza, gentileza.
O que foi mais marcante nesses 20 anos de programa? E que fosse destaca na conexão do Altas Horas com o Rio Grande do Sul?
Lá no começo, tinha um quadro chamado Interrogatório, em que colocávamos três pessoas com opiniões totalmente contrárias sobre um assunto, sinto falta disso. Os encontros musicais eram sempre muito únicos. Onde você iria ver Elza Soares tocando com Cássia Eller? O (guitarrista do Sepultura) Andreas Kisser com (a dupla sertaneja) Marcos e Belutti? Só no Altas Horas. As edições de aniversário também sempre foram muito legais, teve do Piscinão de Ramos a Salvador e, inclusive, uma em Porto Alegre, no Theatro São Pedro. Quando eu vou até aí, sempre acabo lembrando do Canto Alegretense, sei que vocês adoram (risos). Quando vocês começam a cantar, vai subindo um negócio em que vocês batem pernas e braços. Sempre peço para cantarem quando vou dar palestras, é um hino. E gosto das bandas que saíram daí... Fresno, Cachorro Grande, Nenhum de Nós, é um rock muito forte mesmo.
Você completou 70 anos em junho. Está tranquilo com essa questão da idade? Algum arrependimento?
Sou muito tranquilo. E sempre trabalhei com objetivos claros, que não tinham a ver com carreira, e sim estar bem comigo e fazer o bem. Encontrei no jornalismo uma forma de saciar essa curiosidade, conhecer gente, divulgar fatos importantes, passei por impresso, rádio e veio a TV. Nunca fiquei falando "quero ir para a Globo", foi tudo acontecendo. Me senti confortável nas escolhas e na aceitação que tive. Não tenho arrependimento junto à carreira que trilhei e os caminhos que fiz. Ninguém é perfeito em relação ao tempo, mas, de modo geral, estou muito tranquilo.
Podemos contar com o Serginho no Altas Horas daqui a 10 anos?
Não me imagino daqui a 10 anos, e não acho que haja prazo de validade. Quem determina as coisas que vou fazer sou eu e o espectador. Tento sempre ser muito autocrítico e receber críticas, aprendendo com elas, desde que sejam argumentativas. Como nunca projetei antes, não vou projetar um futuro, sempre foi o agora para mim. Penso em amanhã, semana que vem, é sempre algo muito pequeno. Olha essa pandemia, quem poderia imaginar de ficar tantos meses com sonhos interrompidos? Ela deu uma parada em todo mundo. A gente consegue projetar desejos, e só isso. Sempre fui de fazer coisas diferentes, de trabalhar com rádio a dar aula. Meu futuro é o agora.
Vocês apresentaria outro tipo de programa, como o Big Brother Brasil? O que gostaria de fazer ou repetir na sua carreira?
No começo do ano mesmo, queria bolar um programa de entrevistas que fosse em um teatro, com plateia, transmitido online ou em rádio, mas veio tudo isso e parei. É mais para frente. Me convidaram para escrever um livro, não uma biografia, mas momentos da minha vida, e estou pensando. Quanto a algum outro programa, é muito difícil, porque todos eles têm muito a identidade do apresentador. O Big Brother eu não iria (apresentar), nem gostaria, não teria condições. Se for outro programa, outro formato, algo novo, é de se pensar, mas não pegaria algo que existe e me colocasse ali. Gostaria de voltar a dar aula, ter um programa de rádio, mas aula exige tempo, dedicação. Eu adoraria ser professor de novo.
Como jornalista que cobriu o movimento Diretas Já e tantas outras conquistas nacionais, como vê esses ataques à imprensa e a relação do público com o jornalismo?
Acho uma tristeza viver um momento onde a liberdade de expressão é atacada. Uma pergunta não pode ofender um presidente da República a ponto de atacar a imprensa como um todo. Existem mecanismos para perguntas mal feitas, mal formuladas, que ataquem honra, isso tudo está previsto na lei. Não é que o jornalista tem liberdade, precisa ter, mas tem responsabilidade também. Não pode criar notícia falsa e achar que tem liberdade. O bom jornalista não faz isso. Existe uma briga política em que parece que a informação quer ser calada ou distorcida, o que é muito grave. Vejo com preocupação, tristeza, ainda mais por estarmos em uma democracia. Tenho sentido, por outro lado, que a sociedade brasileira se fortaleceu depois da ditadura, as pessoas que falam contra a democracia encontram resistência. É triste e ameaçador o que está acontecendo, mas acredito muito que o voto, as instituições e sociedade vão prevalecer.
E como avalia a situação do setor cultural?
A gente vive um momento em que as pessoas querem desmontar a arte e a cultura, mas isso tem a ver com a educação, porque a arte toca o coração e a mente das pessoas. Falam que o artista que não concorda com postura do governo é comunista, mas existem forças diferentes na arte e na cultura. Você assiste ao que quiser, é pouco racional achar que o brasileiro é conduzido. As censuras que têm havido a museus, o não incentivo ao cinema, a taxação do livro, essas coisas são desestimulantes, mas o artista é um ser de resistência. Não é a primeira vez que a classe é atacada, se sofre muito, e claro que a pandemia deixou tudo ainda mais restritivo. Mas a arte brasileira vai sobreviver sem o dinheiro do Estado, ela vai continuar a instigar o espectador, como sempre fez.