Pela primeira vez, a televisão aberta irá conhecer, de fato, quem foi Hebe Camargo, para além dos holofotes, do tradicional sofá e da plateia que tanto marcaram seus programas. A partir desta quinta-feira (30), após Fina Estampa, a série Hebe começa a ser exibida na RBS TV com um episódio por semana para mostrar os momentos marcantes da vida de uma das apresentadoras mais icônicas do Brasil.
O seriado não é inédito: foi lançado no final do ano passado no Globoplay, sendo um braço do filme Hebe - A Estrela do Brasil (2019), escrito por Carolina Kotscho e dirigido por Maurício Farias. Porém, os 10 capítulos (que incluem Maria Clara Abreu na direção) não são apenas um compilado do longa-metragem. Pelo contrário: abordam de forma muito mais aprofundada a carreira, a intensidade, a potência e as inseguranças de quem virou um sinônimo da comunicação.
Uma das principais diferenças entre as duas produções é o recorte: o filme mostra somente o período de alguns anos a partir de 1985, quando Hebe troca a Bandeirantes pelo SBT após ser abalada pela censura, depois de abordar em seus programas temas como feminismo, sexo e homossexualidade. Já a série faz um panorama geral da apresentadora, desde o início da carreira até a descoberta do câncer que a vitimou em setembro de 2012, aos 83 anos.
— Eu me apaixonei por ela. Pela coragem de ser quem ela era, com todos os limites, dificuldades, inseguranças. Falando muita besteira, muitas vezes, errando muito, mas também não tendo vergonha de errar — disse Andrea Beltrão, que encarnou Hebe na fase mais madura no filme e na série, durante coletiva virtual com o elenco e a equipe.
Confira cinco momentos que a série tem e o filme não tem (ou não enfatiza):
Ingênua e cantora
A série resgata, de maneira não linear, diversos momentos da trajetória de Hebe através de um fluxo de memória da própria artista. Por conta disso, o seriado passeia pelo passado, presente e futuro da apresentadora. Para isso, uma nova atriz foi adicionada ao elenco. Valentina Herzsage vive a apresentadora durante a juventude.
O público tem a oportunidade de conhecer uma Hebe de origem pobre, que largou os estudos para se dedicar à carreira artística e ajudar a família nas despesas da casa. Uma figura que, aos 14 anos, tinha um perfil bem mais ingênuo daquele que preenchia a casa das pessoas, todas as noites, pela televisão.
Há também um destaque bem maior na série para o início de sua carreira, que começou na música e, depois, se esparramou para o rádio. No filme, sua vertente de cantora é mostrada em menos de um minuto.
A atuação de Valentina
Valentina Herzsage se destaca na série não só pela semelhança física com jovem Hebe, de cabelos escuros e sobrancelhas grossas. A atriz já havia participado da novela Pega Pega (2017) e de produções no cinema. Mas, em Hebe, ela brilha ao viver a apresentadora dos 14 até os 25 anos (de 1943 a 1954), uma pessoa cheia de sonhos e calejada pela infância sofrida.
Foi necessária preparação específica para que houvesse uma sintonia entre Valentina e Andrea:
— Eu assisti a algumas gravações do filme. E depois a Andrea me encontrou e a gente brincou juntas. Fizemos uma lista de gestos que a gente podia nos encontrar nos detalhes. Como segurar o bebê no colo, chorar, a gargalhada, que foi o momento mais difícil — lembrou Valentina na entrevista.
Relações abusivas
Além de mostrar exuberância de Hebe que todo mundo conhece, com microfone na mão, radiante, carregada de joias e casacos de pele, a série também revela uma espécie de "lado B" da artista, que incluem seus conturbados romances.
O filme até toca no namoro de Hebe com Luís Ramos (Daniel de Oliveira), seu primeiro amor, e nos casamentos com Décio Capuano (Gabriel Braga Nunes) e Lélio Ravagnani (Marco Ricca), mas a série se aprofunda na fragilidade da artista perante os relacionamentos.
Ao falar de Ramos, por exemplo, é citado o aborto que Hebe fez ao ficar grávida do empresário aos 18 anos. A cena é mesclada com a reprodução da entrevista da apresentadora ao programa Roda Viva (1987), onde ela fez a revelação do episódio e aproveitou para defender a descriminalização do aborto.
A série também revela uma Hebe frágil e dependente à figura dos maridos, que sempre deixaram claro o desgosto pela fama da esposa. Com Lélio, a apresentadora chegou a viver episódios de violência doméstica. É o típico retrato de uma geração machista, quando homens não aceitavam que mulheres estivessem acima deles, seja nas finanças ou no trabalho.
— Eu falei com algumas pessoas que conheceram o Lélio. E elas falaram que ele era muito agressivo, muito desrespeitoso com a Hebe e com o filho dela. Tudo isso marca muito uma geração, uma época. O Lélio, hoje, seria esse cara que estaria na (Avenida) Paulista, vestido de verde e amarelo. Ele tinha esse reacionarismo — comentou o ator Marco Ricca.
O câncer e a peruca
Os últimos anos de vida da Hebe, com a descoberta do câncer no peritônio, o tratamento com quimioterapia e as últimas aparições na TV, são destaque no final do seriado. Durante entrevista ao programa de Marília Gabriela em 2010, ela explica o porquê resolveu usar peruca - e como ficar careca abalou sua vaidade. A famosa frase sobre a morte que Hebe disse à jornalista também é marcada na produção: "Eu não tenho medo de morrer. Eu tenho peninha".
História da TV e do Brasil
Trechos das entrevistas para o De Frente com Gabi foram reproduzidos no seriado, mas outros momentos marcantes da televisão são mostrados em Hebe. Entre eles, sua entrevista ao Programa do Jô, em 1993, e uma homenagem que recebeu no Domingão do Faustão, em 2010, quando a apresentadora comemorou estar na Globo, emissora onde nunca trabalhou.
É bonito de ver como a história do Brasil e de Hebe se misturam. A apresentadora protagonizou diversos levantes contra quem comandava o país, desde o período da Ditadura Militar até a redemocratização, na década de 1980.
Mais para o início dos anos 1990 e 2000, também se engajou no movimento dos caras-pintadas e dissecou de críticas políticos envolvidos no esquema do Mensalão. Se Hebe estivesse viva hoje, certamente não iria ficar calada, sugeriu Andrea Beltrão na coletiva de imprensa:
— Hoje eu daria um abraço bem apertado nela, um beijo na boca. E diria para ela fazer campanha para a democracia. Diria: "Hebe, ele não".