Há um problema recorrente em várias das recentes cinebiografias de grandes personalidades brasileiras, como Elis, Simonal, Chacrinha, entre outras: a necessidade de abordar a vida inteira do personagem acaba pesando no roteiro com cortes abruptos que não dão conta da complexidade do biografado.
E esse é um problema que Hebe: a Estrela do Brasil, dirigido por Maurício Farias com roteiro de Carolina Kotscho, contorna de forma inteligente: o filme não é um panorama geral da vida da atriz, cantora, apresentadora de rádio e TV e personalidade inescapável da mídia nacional, e sim um recorte preciso de um momento significativo no tempo. O longa foi apresentado na quarta-feira (21), na mostra competitiva do 47º Festival de Cinema de Gramado.
Hebe flagra a apresentadora (vivida com gana por Andréa Beltrão) durante um período de alguns anos a partir de 1985. Já consagrada como a grande apresentadora da TV brasileira, ela trabalha para a Rede Bandeirantes, às turras com o diretor Walter Clark (Danilo Grangheia), que a adverte repetidamente de que seu programa agita a censura, por falar de temas como feminismo, sexo e homossexualidade.
Com um recorte que abarca no máximo três anos, o filme se permite aprofundar algumas transições de Hebe e conectá-las ao panorama maior do Brasil também em transição.
A ditadura militar acabou, mas a censura ainda funciona. Hebe, assumidamente conservadora e amiga de Paulo Maluf, no entanto, adere em seu programa a discussões que hoje seriam chamadas de "progressistas".
Em outro paradoxo, Hebe, consagrada na TV e amada por uma multidão, sofre em casa com as crises de ciúme doentio do marido, o empresário Lélio Ravagnani (vivido por Marco Ricca). A relação do casal é mostrada em sua inteireza inconstante, das brigas violentas às declarações de amor apaixonadas que as sucediam.
Apesar do tom dramático de algumas situações, uma das características mais fortes do filme é o humor. Não um riso escrachado, mas o que emerge da forma como Hebe se impunha aos executivos e diretores de TV, cenógrafos e até mesmo ao marido (quando ele estava sóbrio): com uma energia e um voluntarismo que mesclam força e sutileza.
Claro que essa opção pelo recorte é do filme, e vai mudar quando o longa for transformado, com muito material adicional, em uma série de 10 episódios abordando a vida da apresentadora em um recorte mais abrangente, do início de carreira ao estrelato.
O filme Hebe: a Estrela do Brasil entra em cartaz nos cinemas no dia 26 de setembro. A série tem previsão de estreia na plataforma Globoplay para o início de 2020.