As reprises de novelas nunca foram tão valorizadas como agora. Em tempos de gravações paralisadas pelo coronavírus, o jeito foi colocar histórias do passado nas grades de programação, como fez a Globo. Muita gente sabe que esse formato já é adotado há tempos pelo Viva, canal que comemora 10 anos no ar neste mês e já exibiu, nesse período, 45 novelas diferentes — grande parte delas nunca teve uma segunda chance na TV aberta.
Resgatar clássicos da televisão brasileira, com seus personagens e tramas, atinge a memória afetiva do público que, agora em casa com mais frequência, consegue ter seu momento saudosista ao rever uma novela querida. Mas, muito mais do que lembranças, os folhetins antigos viraram opção de entretenimento para esse período. Isso explica o aumento de 33% na audiência do Viva entre março e abril, quando começaram as restrições sociais da pandemia.
— Tenho a percepção de que as pessoas não estão buscando assuntos muito sérios e tristes, mas sim produtos culturais que tirem um pouco elas dessa situação de preocupação do número de pessoas infectadas. É um escape. O entretenimento que está à disposição hoje tem o objetivo de fazer um recorte da nossa realidade — avalia Paula Puhl, doutora em comunicação e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Atualmente no ar, as novelas O Clone (2001), Brega e Chique (1987) e Chocolate com Pimenta (2003) são líderes na TV por assinatura em seus horários de exibição, segundo o Viva. Todas elas geram grande interação nas redes sociais, um dos locais mais usados pelo público para fazer pedidos de reprises ao canal.
As mais pedidas
Pela internet, usuários entram em contato com o Viva para pedir - às vezes até implorar - por reprises de novelas. Em março, as cinco mais pedidas foram: Mulheres Apaixonadas (2003), A Viagem (1994), Locomotivas (1977), O Beijo do Vampiro (2002) e Cara & Coroa (1995). Já em maio, Vamp (1991) e Uga Uga (2000) apareceram entre as mais citadas.
Um dos desejos acabou atendido: Mulheres Apaixonadas será reprisada em agosto – a novela de Manoel Carlos só passou uma vez no Vale a Pena Ver de Novo, em 2008, espaço tradicional de reprises na TV aberta.
Apresentada nos anos 2000, a história contada pelo folhetim surpreende pela atualidade. Entre os temas abordados, estiveram a violência contra a mulher através da figura do "raqueteiro" Marcos (Dan Stulbach), a agressão contra idosos pela neta Dóris (Regiane Alves) e a dependência alcoólica de Santana (Vera Holtz). Também se falou sobre a campanha do desarmamento após Fernanda (Vanessa Gerbelli) ser vítima de uma bala perdida e sobre preconceito envolvendo o amor entre Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli).
— Os fãs se sentem íntimos, existe uma relação afetiva muito grande com a marca. Os resultados de audiência mostram como, ao longo do tempo, conseguimos estar cada vez mais próximos ao público. Hoje, o Viva conquista fãs de todas as idades e é um fenômeno de memes na internet — comenta Fabiana Gabriel, gerente de marketing e mídias digitais do Viva.
O momento dos repetecos
Na estreia, em 2010, as primeiras novelas exibidas foram Quatro por Quatro (1994) e Por Amor (1997) – a última, junto com Vale Tudo (1988), foram as únicas duas que ganharam mais de uma exibição no canal.
Aliás, é curioso observar o frenesi em cima de Vale Tudo. Apesar de todo mundo já saber quem matou Odete Roitman (Beatriz Segall) há mais de 30 anos, a revelação do grande mistério da trama, no último capítulo da novela, causou um alvoroço no Twitter quando foi exibido no Viva, em 2010, chegando a virar objeto de estudo na academia.
— As redes sociais trazem novos significados para essas obras. O compartilhamento das percepções das pessoas sobre isso, o estar junto com o outro nas redes sociais, faz com que as novelas acabem sendo debatidas e comentadas de novo — comenta a professora Paula Puhl, uma das autoras do artigo "Vale Tudo no Twitter: a visibilidade da ficção televisiva em tempos de convergência midiática", que se propôs a acompanhar os comentários feitos na rede social durante a exibição do último episódio da novela no canal.
Apesar de focar na programação antiga e ser uma espécie de acervo da televisão brasileira, chama a atenção como as reprises ganharam evidência não só no Viva, mas também em outras plataformas, tudo isso por conta da pandemia.
O Globoplay, streaming da Globo, lançou um projeto de relançar antigos títulos, na íntegra, a cada 15 dias – A Favorita (2008) entrou no catálogo na última segunda-feira (25). A próxima será Tieta (1989). Também farão parte dessa lista Dancin’ Days (1978) e Vamp (1991) - duas novelas que o público já teve a chance de rever novamente por conta do Viva.
— As novelas trazem memórias, fazem um resgate. O que estava acontecendo com a pessoa no último capítulo daquela novela? Qual era a moda da época? O que mudou? Qual era a fase da minha vida naquele momento? É quase uma terapia. Tu até podes não assistir, mas as novelas estão nas redes sociais e nas rodas de conversas hoje — conclui Paula.