Wagner Machado da Silva*
Brau (Lázaro Ramos) cai no esquecimento, Michele (Taís Araújo) se torna uma diva internacional. É em meio a dilemas e muita música que estreia nesta terça-feira (24), na RBS TV, a quarta temporada de Mister Brau. A trama semanal, além de acompanhar o conflito causado pelas mudanças que impactam na carreira e na vida do casal, abordará discussões como corrupção, refugiados, Operação Lava-Jato, identidade étnica, feminismo, preconceito e racismo. Tudo, é claro, com humor de sobra.
No ar desde 2015, o seriado tem como marca ajudar a entender discussões sociais ao tratar temas sérios com leveza. Mister Brau faz ainda uma crítica à realidade de grande parte da população, já que o país tem a maior população afrodescendente fora do continente africano e, mesmo assim, segundo estatísticas, é possível perceber que no Brasil os negros sofrem com os resquícios da escravidão, abolida há 130 anos.
Para contextualizar, de cada cem pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, de acordo com o Atlas da Violência de 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O mesmo estudo revelou que a mortalidade de mulheres não negras (brancas, amarelas e indígenas, por exemplo) caiu 7,4%, mas esse índice subiu 22% para as mulheres negras. Outro dado do mesmo levantamento mostrou que 61,6% da população carcerária do Brasil é composta por pretos e pardos.
Além disso tudo, o racismo, a discriminação racial e o preconceito parecem ser componentes da estruturação do mercado de trabalho. Os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) apontam que a taxa de desemprego permanece maior entre negros e pardos, que também têm os salários mais baixos.
Diante de tudo isso, Jorge Furtado, autor e roteirista final, conta que o seriado é mais do que comédia. Para ele, traz empoderamento:
– Mister Brau não tem síndrome de Família Busca-Pé. Eles se vestem bem, sabem se portar, têm talento, são inteligentes, combativos e, sobretudo, têm identidade e sabem valorizar o fator étnico. Recebo fotos e relatos de mães felizes dizendo que as filhas não querem mais alisar o cabelo, pois a Michele as inspirou. Isso já vale o programa inteiro.
Série rompe com a imagem do negro na TV
Por causa da Copa do Mundo, Mister Brau será veiculado com menos episódios: serão oito no total. Mas não faltarão confusões, aprendizados e reconciliações. Afinal, Brau e Michele sabem como fazer o menos virar mais.
Tanto é que, antes mesmo da estreia da temporada, a história do astro da música e sua esposa foi exibida na Sessão da Tarde na terça-feira passada em novo formato. Mister Brau – O Filme preparou o público para as novidades deste ano ao lembrar como Brau e Michele ascenderam social e profissionalmente e, mesmo assim, ainda precisam superar o preconceito cotidiano vivido pelos negros do Brasil.
– Pessoas negras dizem que sua autoestima aumentou, porque Mister Brau fala sobre elas, sobre as nossas questões. O seriado mostra situações que são profundas para nós, mas sempre de uma forma leve – diz Lázaro ao destacar a importância e a representatividade do programa na televisão brasileira.
No livro A Negação do Brasil: O Negro na Telenovela Brasileira (2000), Joel Zito Araújo fez uma análise das representações dos negros na TV entre as décadas de 1960 e 1990. Na época, o autor percebeu que as produções persistiam em um ideal de branqueamento e de estereótipos. Os papéis destinados a eles, na maioria das vezes, eram de escravos ou empregados domésticos, subordinados aos patrões brancos. As personagens negras, não raro, eram mostradas de forma subalterna e negativa, destacando-se os aspectos da sensualidade.
Embora tenha mudado nos anos 2000, essa construção, muitas vezes, ainda recai na fórmula onde é reservada ao ator negro a interpretação de escravo, sofredor, trabalhador braçal ou malandro. Tanto que os últimos protagonistas de Lázaro e Taís antes da série foram Zé Maria (Lado a Lado, 2013) e Penha (Cheia de Charme, 2012), respectivamente um barbeiro e uma empregada doméstica.
De forma precursora, Mister Brau inverte essa lógica, uma vez que os dois protagonistas são negros emergentes, não se encaixam nessas limitações e ainda estimulam que se rompa essa barreira, sobretudo na televisão, o meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros.
* Jornalista, estuda Mister Brau em seu mestrado em Comunicação na PUCRS