A série O Mecanismo está no centro de polêmicas desde seu lançamento. Parte do público acusa o criador José Padilha de manipulação dos fatos da Operação Lava-Jato, enquanto a outra metade acredita que a licença ficcional foi bem intencionada. Mas antes mesmo das discussões tomarem corpo, o ator Enrique Díaz, que interpreta o personagem Roberto Ibrahim, baseado no doleiro Alberto Youssef, falou sobre como se situa politicamente em relação à visão da Lava-Jato apresentada por José Padilha na série.
Na coletiva de lançamento de O Mecanismo, dia 15 de março, no Rio de Janeiro, o ator Enrique Díaz comentou o conflito entre suas posições pessoais e o conteúdo da série:
Como foi interpretar um personagem baseado em uma pessoa real?
Tenho sempre tentado me situar em relação à dramaturgia da série. A realidade é outra coisa. A realidade é muito complexa, muitas camadas, muitos pontos de vista. A narrativa ficcional tem sua complexidade, mas ela é muito mais convergente. Você encaminha a ação para gerar simpatias, reviravoltas. Meu personagem é uma construção. Não precisa ter nenhuma relação com uma figura real. A dramaturgia dá essa estrutura. Me sinto melhor porque assim não estou assinando nenhum tipo de discurso. Criei um personagem que se relaciona com os outros personagens dentro daquele universo.
Você é um ator identificado com o campo da esquerda, em geral muito crítico em relação à Lava-Jato. Como você lida com o fato de estar atuando em uma série que faz uma leitura tão positiva da operação? Você se sentiu cobrado?
Eu me apoiei muito na ideia de autonomia da narrativa. Posso estar em um trabalho sem necessariamente assinar aquele desenho narrativo. Posso fazer um trabalho excelente e estar à disposição para alguma discussão que possa aparecer, sem me colar a nenhum tipo de lugar estabelecido pela narrativa. Na série, José Padilha problematiza muitos pontos de vista, mas me dei essa permissão de participar do projeto sem necessariamente me posicionar em relação à narrativa dele. É um momento complexo. Tenho tentado encarar a série de uma maneira mais histórica. Em vez de colocar em oposição apenas duas atitudes possíveis. Historicamente, acho essencial pensar em uma perspectiva de margem e centro. O mundo é dividido entre pessoas que não precisam de muito para viver e pessoas que precisam ter muitas coisas para viver, sub-humanos e super-humanos. Esse ponto de vista é arraigado na cultura colonial brasileira e acho que tem que ser discutido. Nesse sentido, entra uma questão mais crítica em relação à série. Quando você foca única e exclusivamente na corrupção, você para de falar disso. Você fala só da corrupção. A corrupção tem um apelo popular muito grande. Ao falar só de corrupção, você deixa de falar dessa cisão social. Isso é uma questão. Acho que a série toca na corrupção, cria um argumento que não é ruim. Existe, sim, um "mecanismo" que iguala todos os partidos, mas em termos de projeto de governo, de intenção, os partidos não se igualam. O público vai ter que lidar com isso. Vai ter que olhar para a série e pensar criticamente.
Estamos em ano de eleição. Você está otimista em relação ao futuro do país?
A gente está vivendo uma coisa muito, muito, muito, muito ruim. Desde o golpe, é só ladeira abaixo em termos de direitos e dos valores que eu acredito, humanistas. Estão todos sendo arrebentados. A aproximação do Temer com os militares é assustadora. A intervenção militar é uma farsa, uma jogada de pôquer. Pessoalmente, não sou pessimista, mas está tudo muito ruim. A única solução é essa discussão ser feita na sociedade civil.