Em uma cidade ainda paralisada pelo choque causado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, na noite de quarta (14), elenco e equipe da série O Mecanismo não puderam evitar o tema na coletiva marcada para a manhã desta quinta-feira (15), no Copacabana Palace.
Quem introduziu espontaneamente o assunto foi o ator Enrique Diaz, que na série inspirada nos bastidores da Operação Lava-Jato interpreta um personagem baseado no doleiro Alberto Youssef.
- Ainda estou muito impactado com notícia da morte da Marielle Franco, uma pessoa muito importante, que foi executada ontem. É um sinal terrível da situação que estamos vivendo no Rio de Janeiro - afirmou.
O ator Selton Mello, que na série faz o papel de um policial honesto que havia tentado prender Youssef antes da Lava-Jato, também se manifestou sobre o crime:
- Esse caso apenas repercute o que acontece todos os dias nas comunidades do Rio de Janeiro, principalmente com mulheres negras. A gente só ficou sabendo agora porque se trata de uma pessoa muito conhecida.
José Padilha, um dos criadores da série, lembrou que a segurança pública no Rio de Janeiro é pródiga em produzir eventos chocantes como o do assassinato da vereadora, mencionando o massacre da Candelária, em 1993, e a violência cotidiana daquela que é considerada a polícia mais violenta do mundo.
- Entra governo e sai governo e nada muda. Isso é uma tragédia - declarou o cineasta.
Em entrevista concedida à jornalista Malu Gaspar, da revista Piauí, antes da coletiva, Padilha explicou que a expressão "o mecanismo" se refere ao ciclo vicioso em que empresários dão dinheiro a políticos, que quando eleitos nomeiam pessoas para cargos-chave, que por sua vez possibilitam o superfaturamento que gera mais dinheiro, que enriquece empresários e abastece partidos - e assim indefinidamente:
- Existem países com casos de corrupção. No Brasil, a corrupção faz parte do sistema político, é a norma. É como a política funciona em todos os municípios do país, nos Estados e no governo federal, do fabricante de lápis à empreiteira. Envolve o Legislativo e o Executivo, com certeza. O "mecanismo" não tem ideologia. Esquerda e direita agem da mesma forma - explicou.
Para Padilha, que abordou o tema da segurança pública em Onibus 174 e nos dois Tropa de Elite, a corrupção é o tema inescapável que perpassa todas as grandes questões do país:
- A corrupção está por todos os lados, nos problemas da educação, da segurança pública... É impossível fazer um filme sobre qualquer assunto no Brasil sem tocar nesse ponto.
Não está claro ainda, para o diretor, o quanto a Lava-Jato vai ser capaz de desmontar "o mecanismo", mas segundo ele a operação teve o mérito de punir empresários de forma exemplar, o que pode ter algum efeito no futuro, além de revelar o caráter não ideológico da corrupção. Padilha acredita que os próximos desdobramentos da Lava-Jato dependem muito da atuação do Judiciário. O diretor não confirma uma segunda temporada da série, que será exibida em 190 países, mas garante que já sabe que rumo uma continuação da história tomaria.
A série O Mecanismo estreia no catálogo da Netflix no próximo dia 23.
* A jornalista viajou a convite da Netflix